floquinhos

domingo, 12 de abril de 2009

CRONICAS DE MINHA INFANCIA (28)

Meus queridos amigos,

Este crônica encerra o livro, mas gostaria ainda de colocar os prefácios, porque têm um significado especial para mim, uma vez que foram escritos por meus três filhos. Eu o farei amanhã, junto com uma pequena explicação. Por hoje quero agradecer a atenção de todos vocês que acompanharam dia a dia, estas pequenas histórias que formam parte das lembranças de meu bau de memórias. Muitíssimo obrigada pelo acompanhamento e pelos comentários sempre muito gentis.


O VESTIDO DE BAILE

Olhou atentamente para sua figura no espelho e não pôde esconder o sorriso. Finalmente começava a emergir um cisne daquele patinho feio... Valera a pena o sacrifício da ginástica, que ela não gostava, e da abstenção dos doces e massas, que ela tanto gostava. A mudança fora total! Aquela menina gordinha, sem graça, extremamente introvertida, que vivia se encolhendo para não ser notada, cedera lugar a uma jovem atraente, mais confiante, começando a ficar de bem com a vida. Agora, finalmente, poderia realizar o sonho de ir ao seu baile de formatura... Agora aquele maravilhoso vestido caberia nela e, melhor ainda, ficaria muito lindo nela!
A esse pensamento, dirigiu-se à cômoda que se encontrava num canto do quarto, puxou uma das gavetas e dela retirou uma caixa que abriu encantada. Desdobrou a página cuidadosamente guardada de uma das revistas da época - seria de “O Cruzeiro”? ou da “Cinelândia”, talvez? O título: June Allison na entrega do Oscar! E lá estava ele, lindo, diáfano, num tom de azul celeste muito suave. O decote “tomara que caia” lindamente adornado por aquele bordado delicado, em tons sobre tons de azul, que subia desde a barra - um ramo de pequenas flores, folhas e hastes de trigo, num mimo em canutilhos e miçangas, e terminava sobre uma delicada alça colocada sobre o ombro esquerdo. Aquela saia rodada, em organdi, dava leveza ao vestido de corpete longo e muito justo, que certamente emolduraria perfeitamente bem seu corpo agora esbelto. Feliz, tornou a dobrar a folha. Guardou-a, pensando se já não estaria na hora de ir com a costureira até a Rua 25 de Março para escolher os tecidos. Apanhou a bolsa e as luvas que estavam sobre a cama, despediu-se de sua mãe e saiu para encontrar-se com duas de suas colegas que faziam parte da comissão de formatura. Iam falar com o Maestro Sílvio Mazzuca. Afinal, num baile de sucesso dançava-se sempre ao som daquela maravilhosa orquestra.
Quando voltou, seu pai estava à sua espera. Precisava falar-lhe. Em sua fisionomia aquele ar constrangido que um observador mais atento nota no rosto de qualquer pai amoroso que precisa negar a um filho alguma coisa muito desejada, muita esperada, sempre sonhada... Não era homem de preâmbulos nem de meias palavras, por isso foi logo ao assunto. Sabia o que aquele baile significava para ela, sabia o quanto ela vinha sonhando com isso, uma vez que seria seu primeiro baile (já nem teria sua festa de debutante, tão ao gosto da época, não tinham recursos para isso) mas, infelizmente, ele não tinha condições financeiras para arcar com tantas despesas. E começou a enumerar os gastos: vestidos para a missa, colação de grau e baile, pagamento das parcelas para as solenidades, roupas para ele e para a mãe, sem contar o que seria gasto com os carros de aluguel (táxis) para ir e vir e o que se consumiria durante o baile, etc, etc... Além do mais, ela não teria sequer com quem dançar a valsa!... “Mas vou dançar com o senhor, pai!... E posso ainda pedir ao primo Carlos que dance comigo... ou convido um de nossos vizinhos, isso não seria problema...” Não, não seria realmente problema. Foi só mais um possível argumento que veio à cabeça daquele pai cujo coração, ao negar à filha a possibilidade do sonho realizado, estava muito mais apertado do que o dela. “Não, minha filha, infelizmente não pode ser. Entenda. Você já está uma moça... já pode entender essas coisas...” Dizendo isso, pegou o quepe que se encontrava no porta-chapéus, colocou-o na cabeça, curvou-se para beijar o rosto da filha, banhado em lágrimas, e saiu para o trabalho, enxugando, ele próprio, uma lágrima furtiva que teimava em rolar de seus olhos...

(Do livro: "Encontro com a menina que eu fui")

8 comentários:

Osvaldo disse...

Oi Dulce;

Crónica de realidades que nem todos conseguem ver, nem sentir...

Crónicade uma verdade que dói mas que faz amadurecer...

Crónica de um pai com o coração "em pedaços"...

Emfim, "voisas da vida".

Estas tuas crónicas são uma "lufada" de ar fresco para a nossa literatura.

bjs
Osvaldo

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Osvaldo,

Só posso dizer OBRIGADA!...

Beijos.

heli disse...

Dulce.
Estava ansiosa pela leitura do final de seu livro, mas agora sinto que suas crônicas estarão fazendo falta em minhas leituras matinais.
Que doces lembranças ficaram em sua mente e ao partilhá-las conosco foi algo gratificante, pode estar certa disso.
Imagino como ficou o coração de seu pai ao ser obrigado a negar um pedido tão especial.Fiquei imaginando como você reagiu após a saída dele para o trabalho...
Pois é amiga, há sonhos e sonhos...e nem sempre conseguimos realizá-los, mas o que importa é nunca perder a esperança

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Heli,

Pois é, minha amiga, minha primeira reação foi de muita tristeza, uma certa mágoa, era jovem demais para entender, mas o tempo foi me mostrando que meus pais sofreram muito mais que eu naquele momento.
E, olhe, a maior parte de meus sonhos nunca virou realidade, não sei se porque sonho alto demais (rs), mas isso nunca me impediu de voltar a sonhar... sou uma sonhadora inveterada, incorrigível...
Parafraseando Thiago de Mello: "Vivo a vida de meus sonhos, meus sonhos de sonhos vivem..."
beijos

Lourdes disse...

Olá Dulce,
esta crónica é sua, mas o que ela descreve é comum a muitas jovens, que viveram na nossa geração. Tempos de dificuldades, que nos privaram de concretizar muitos dos nossos sonhos, mas que nos deram uma preparação para enfrentar os problemas da vida e compreender o significado das palavras: "não podemos".
Este seu texto merece que façamos uma reflexão neste momento em que a crise assolou o mundo. Será que os jovens de hoje estão preparados para enfrentar dificuldades?
Beijinhos

UBIRAJARA COSTA JR disse...

É verdade, Lourdes, as meninas de nossa geração, pertencentes às classes menos favorecidas, tiveram muitas coisas negadas, muitos sonhos desfeitos, porque não haveria mesmo possibilidade de os conseguir, também porque éramos criadas dentro de outra realidade.
Quanto à sua pergunta, sinceramente não sei, porque hoje os pais acham que devem sacrificar tudo para não desgostar um filho e os pais de outros tempos preferiam que os filhos soubesse o que poderiam ou não conseguir, sem sacrificar a familia em detrimento de seus desejos... Quem estaria certo? Não sei, mas acho que nossas gerações não se sairam tão mal assim diante dos problemas que a vida nos impõe...
Beijos e muito obrigada.

ney disse...

Pois é, Dulce, quantas festas deixávamos de ir na época por falta de uma roupa adequada. Os aluguéis quebravam o galho para os homens (smokings, casacas etc.). Mas vale lembrar da época e das passagens com o carinho que você lembrou, possibilitando-nos reviver também aqueles bons tempos. Estamos aguardando o VOLUME II do livro, continue escrevendo suas lindas crônicas.
Achei na Google números da revista O CRUZEIRO digitalizadas, mas não esse da June Allison na entrega do OSCAR. No youtube também tem muitos endereços, e nesse ela aparece com diversos vestidos... http://www.youtube.com/watch?v=Ff-xaQChZh8
Mais uma vez parabéns pelo livro. ney/

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Obrigada, Ney

Guardei a página com a foto, na verdade, o vestido, por muitos anos, mas a vida me carregou para vários lugares, e com tantas mudanças, acabamos perdendo muitas coisas mesmo... Mas era lindo!... Pelo menos em minhas lembranças ele continua muito lindo. Aliás, dizem que o inatingível é sempre perfeito, não é?...
Beijos