floquinhos

sábado, 30 de junho de 2012

Ao amanhecer do sábado...


Joana vai acordando aos poucos, lembrando-se de que era sábado... A noite mal dormida deixara atrás de si um certo desconforto, um quê de cansaço travando-lhe os músculos. Antes mesmo de abrir os olhos, ouvindo o estridente canto dos bem-te-vis que habitavam as árvores do condomínio, adivinhou uma manhã de muito sol, típica do mês de julho, clara e fria. E vieram-lhe à mente manhãs como essa vividas décadas e décadas atrás, manhãs dos sábados de sua infância, tempo em que ainda havia aulas nos dias de sábado, mas que para as crianças sempre eram de alegria porque lembrava-lhes que o dia seguinte seria especial, com farto almoço de domingo em família e, logo depois, uma deliciosa tarde no cinema do bairro, para uma alegre matinê infantil junto de suas amigas. Depois vieram as manhãs de sábado de sua adolescência, cheias de sonhos e frustrações, antevendo domingos com tardes descontraídas entre jogos e passeios nas calçadas da rua em que morava, no lindo parque, junto às margens do rio que ainda não sabia o que era poluição. E os sábados da juventude, em expectativa para o encontro com o namorado ao anoitecer para umas voltas pelo quarteirão antes do bate-papo na porta de casa, sempre vigiados pelo irmão menor, que o pai colocava de plantão para evitar "abusos" de confiança. Já casada, o acordar com o choro do neném, o levantar-se cheia de frio para alimentá-lo e trocar as fraldas e, depois de aninhá-lo novamente em seu berço, retornar para os braços fortes que a esperavam, o calor da paixão a aquecer-lhe a alma. E os sábados foram mudando de cara, fase após fase de sua vida. Na maturidade, filhos casados, cada qual cuidando de sua vida, sábados de calma e companheirismo, manhãs de acordar envolta em braços ainda fortes, de longas conversas antes de resolverem sair da cama. Ainda tantos planos, tantos sonhos, tanto amor... 
Difícil foi enfrentar os sábados que vieram depois, de acordar e não sentir o calor do abraço matinal, o estender as mãos em direção ao outro lado da cama e só encontrar o vazio... O mesmo vazio que se instalara em seu coração, que esmigalhava sua alma, que encobria a mais pura luz do sol... E o tempo foi passando, amenizando levemente sua dor, trazendo conforto à sua alma...  O tempo! Ah, não fora o tempo!...
Sentiu lágrimas tentando descer pelo rosto e pensou que era bem hora de abrir os olhos para o dia que começava. Uma réstia de luz entrava pela janela entreaberta, janela que ela abriu de par em par, deixando que o sol invadisse o quarto. Como ficar triste numa manhã como essa? Ainda mais que era dia de receber os netos e o filho para o final de semana. Sacudiu as lembranças, abriu um sorriso largo e mergulhou na vida e em tudo o que ela ainda tinha o privilégio de dela receber. Afinal, era sábado!...

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Ainda e sempre...


Com a cidade envolta em brumas ou com a cidade intensamente banhada pelo sol, ainda e sempre Cecília...

A MULHER E A TARDE


O denso lago e a terra de ouro:
até hoje penso nessa luz vermelha
envolvendo a tarde de um lado e de outro


E nas verdes ramas, com chuvas guardadas,
e em nuvens beijando os azuis e os roxos.


Até hoje penso nas rosas de areia, 
nos ventos de vidro, nos ventos de prata,
cheios de um perfume quase doloroso.


Perguntava a sombra: "Que há pelo teu rosto?"
"Que há pelos teus olhos?" - a água perguntava.


E eu pisando a estrada, e eu pisando a estrada,
vendo o lago denso, vendo a terra de ouro
com pingos de chuva numa luz vermelha,,,


E eu não respondendo nada.


Sonho muito, falo pouco.
Tudo são risos de louco
e estrelas da madrugada...


(Cecília Meireles)

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Na segunda-feira envolta em brumas...



Numa segunda-feira envolta em brumas, toda cinzenta e fria, os versos de Cecília Meireles...


Canção excêntrica


Ando a procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço 
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
projeto-me num abraço
e gero uma despedida.


Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida.


Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudades do que não faço,
- do que faço, arrependida.


(Cecília Meireles)

domingo, 24 de junho de 2012

Numa noite de sábado...


Encerrar um sábado com uma peça de teatro é o que há de melhor, não acham? Aliás, uma boa peça teatral é um maravilhoso encerramento para qualquer noite da semana... Ontem encerramos a noite no Teatro Folha, no Shopping Pátio Higienópolis, sob o impacto de "Equus". Numa montagem diferente das anteriores, forte,   com interpretações marcantes, de tirar o fôlego.
Se você está em Sampa e ainda não viu esta apresentação, ainda que tenha visto alguma das anteriores - a primeira delas, aqui no Brasil, em 1976, teve Paulo Autran e Ewerton de Castro nos papeis ora vivido por Elias Andreato e Leonardo Miggiorin - não deixe de ver. 

sexta-feira, 22 de junho de 2012

E no caminhar pela vida...


"Meu coração vai desdobrando os panos, se alargando aquecido, dando a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho."

(Adélia Prado)

terça-feira, 19 de junho de 2012

Notaram?...


Para quem assistiu a estréia de Gabriela, uma perguntinha: "Tonico Bastos não parece filho de Don Corleone? hehehehe... Acho que desta vez o Marcelo Cerrado foi buscar inspiração no personagem errado. Tonico Bastos era um mulherengo inveterado, um "bon vivant",  não um chefe da máfia de Ilhéus... Enfim, como ele é um ator dos melhores, vamos ver que caminhos essa caracterização vai tomar.


"Um monte de pedras deixa de ser um monte de pedras no momento em que um único homem o contempla, nascendo dentro dele a imagem de uma catedral."

(Antoine de Saint-Exupéry)

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Não é incrível?...


Olhem só a elegância dos "meninos"!... Afinal, eles são ingleses, não é?

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Golas e apliques


Festejando o centenário de Jorge Amado, a Rede Globo traz o "remake" de Gabriela, num novo horário de novelas. A primeira Gabriela foi Sônia Braga, esbanjando sensualidade e beleza na telinha, o que fazia até os homens, que por aqueles tempos não assistiam novelas, "que não era coisa pra macho", arrumarem uma desculpinha para ficarem na sala naquele horário, assim como quem não quer nada...  A Gabriela de agora é a linda Juliana Paes, e ninguém mais precisa se desculpar por ficar na sala porque novela virou mania nacional.


Mas o que provocou esta postagem não foi a beleza das "Gabrielas", e sim a beleza das golas e apliques de renda que ornamentam os vestidos das senhoras de Ilheus. Talvez nossos leitores nem tenham reparado nisso, nas chamadas, mas eu gosto muito de renda colocada assim, em forma de gola, num aplique, como entremeios. Claro que está em desuso, pode até estar fora de moda, mas nem por isso deixa de ser bonito. E imagina-se que as rendas ostentadas pelas senhoras dos coronéis chegavam-lhes da França, ou da Bélgica, onde também as rendas sempre marcaram presença.  Que primor! 


Eram outros tempos onde a elegância era ponto de honra para as mulheres que não saiam às ruas sem chapéu, luvas, bolsa e sapatos combinando. Hoje a moda lhes dá mais liberdade e as mulheres andam até abusando dela, descontraídas ou afetadas, misturando tudo, em resultados, vez por outra, agradáveis de se ver. Mas como a moda é um reflexo do tempo em que se vive e vivemos tempos conturbados...

terça-feira, 12 de junho de 2012

No Dia dos Namorados...


Um pequeno trecho de um lindo poema de Drummond, neste Dia dos Namorados...


"Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e medos, ponha a saia mais leve, aquela de chita e passeie de mãos dadas com o  ar.

Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves ficções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim.
Acorde com o gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela.

Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse um névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteria.

Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido."

(Carlos Drummond de Andrade)


Agora, se você tem a dádiva de ter  namorado(a), alguém que preencha sua vida e seu coração de amor e ternura, este dia é todo seu. Viva-o com muito carinho e sejam, você e ele(a), imensamente felizes...

FELIZ DIA DOS NAMORADOS !

segunda-feira, 11 de junho de 2012


Segunda-feira gelada, com chuvas e trovoadas assustando a manhã que já vai ao meio... 
Depois de um fim de semana prologadíssimo, com direito até a teatro para ver um musical alegre e divertido - Fame, a semana começa com uma preguicinha que dá gosto. E ainda vem essa chuva de verão dentro do inverno? Haja livro, cobertor, lareira acesa e música suave para aquecer a alma e o corpo. E haja poetas do coração para adoçar o dia com cara de aziago... 
E como a única coisa que posso dividir com os leitores e amigos do Prosa é a poesia que preenche o livro que tenho nas mãos, escolho ao acaso versos de Fernando Pessoa, que sempre é bem vindo, com sol ou com chuva, em dias gelados ou de sufocante calor...

Sonho

Sonhei esta existência de venturas,
Sonhei que o mundo era só d'amor,
Não pensei que havia amarguras
E que no coração habita a dor.

Sonhei que m'afagavam as ternuras
Da leda vida e que jamais pallôr
Marcou na face humana as desventuras
Que a lei de Deus impôs com seu rigor.

Sonhei tudo azul e cor-de-rosa
E a sorte ostentando-se furiosa
Rasgou o sonho formoso que tive;

Sonhando sempre eu não tinha sonhado
Que n'esta vida sonha-se acordado,
Que n'este mundo a sonhar se vive.

(Fernando Pessoa, do livro Poesias Ocultistas, onde foi mantida a grafia original)

sexta-feira, 8 de junho de 2012

As rosas de junho...


Chove como se estivéssemos na primavera e os campos e jardins precisassem de muita água para florir... A cidade está encharcada neste mês de junho, quando, outrora, estaria envolta em fina garoa, típica de São Paulo, tão cantada em prosa e verso por seus moradores que faziam dela tema para canções e poesias. A única coisa que nos faz lembrar a exatidão do mês em que estamos é esse frio de enregelar os ossos, Principalmente os ossos dos mais idosos, tão sujeitos a uma artritezinha marota.
E, com tanto frio, supõe-se que as flores se recolham  e fiquem aguardando a primavera para nos alegrar os olhos e alma com sua beleza e seu perfume, não é? Pois não é isso que acontece aqui no meu terraço, esse cantinho especial de minha casa. Para minha surpresa, assim que voltei para casa encontrei as roseiras lindamente floridas apesar do tempo e do frio. Lindas e perfumadas rosas trazem a este inverno que chega rigoroso o doce encanto da primavera, quebrando o ar tristonho que se instalaria por aqui. E como é alegria, cor e perfume, como encanta a alma, divido com vocês, leitores e amigos do Prosa, as rosas cor-de-rosa de meu terraço sempre encantado...

domingo, 3 de junho de 2012

Sob a doce magia do luar...


Ela fôra a Salvador a convite daquele parente distante que tomara para si a tarefa de organizar a árvore genealógica da família e que, para isso, pedira-lhe que levasse consigo fotos antigas, cartas ou documentos que porventura tivesse e que pudessem ajudar nas pesquisas. Durante três dias tinham trabalhado arduamente na tentativa de organizar todos aqueles dados corretamente. Em dois dias viajaria de volta para casa e nem tivera tempo, ainda, de conhecer a cidade, aquela cidade que desde os  tempos de sua juventude aprendera a amar através dos livros de Jorge Amado. Na verdade, não só a cidade, mas a Bahia, como um todo, povoava sua imaginação de magia, exercendo doce fascínio sobre ela.
Terminado o jantar, decidiram tomar o licor no terraço, onde a brisa do mar trazia um certo frescor àquela noite tão quente. Assim que transpôs a porta, a magia da noite tomou conta de sua alma; noite envolta em um luar imenso que se esparramava por sobre o mar sereno, mar sobre o qual parecia debruçar-se o terraço...  Foi tão intensa a sensação de encantamento que a envolveu que não conseguiu reter a lágrima que lhe desceu pela face. A música que vinha da sala era a mesma que acalentara seus primeiros sonhos de menina, seu primeiro amor, platônico e nunca esquecido.
Foi quando sentiu a mão dele retirando o cálice de licor de entre seus dedos e, convidando-a para dançar, tomou-a docemente em seus braços. Fechou os olhos deixando-se levar pela fantasia do momento, como se o tempo não tivesse existido e o sonho fosse, finalmente, realidade... Como se mais de quatro décadas não se tivessem passado desde que o vira pela última vez.
Terminada a música, Marina olhou-o nos olhos, doce e profundamente, e sussurrou:
- Obrigada...
- Mas, pelo que?  
- Sabe, Pedro, desde minha adolescência trazia em mim um momento não vivido, um momento perfeito, um sonho que sempre pensei impossível... Houve um príncipe muito encantado que jamais percebeu que eu existia... Houve um amor, primeiro e lindo, sem a menor chance de ser correspondido... Houve o sonho de uma noite de luar, num terraço mágico, ao som da voz de Billy Eckstine interpretando Blue Moon, a música de minha vida.. E nesse sonho, o príncipe tomaria a sonhadora menina em seus braços e sairiam dançando pela noite, em puro encantamento...
Sentindo-se enternecido, Pedro murmurou:
- Só faltou o príncipe...
- Não... Nem isso... Sussurrou Marina.

(Uma história retirada do baú de sonhos perdidos)
Março de 2010