floquinhos

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Nas madrugadas do tempo




Acordou com o barulho do vento que dançava entre os galhos ressequidos do bosque e, imaginando o frio que deveria estar fazendo lá fora, enrodilhou-se entre os lençóis, numa tentativa inútil de voltar a dormir. Era madrugada e ela sempre tivera um quezinho pelas madrugadas quando, a casa em silêncio e a cidade semi adormecida, davam-lhe a falsa sensação de que a paz reinava sobre o mundo, sobre os homens.
Sem conseguir voltar a dormir, saiu da cama e, apanhando o robe que repousava sobre a poltrona, envolvendo-se em seu aconchego, dirigiu-se até a janela. Ao abrir as cortinas deu com a beleza da neve caindo sobre o gramado, iluminada apenas pela fraca luz que vinha do poste de iluminação colocado quase em frente a casa.
E sem saber bem porque, viu-se em outra madrugada insone, diante de uma outra janela, depois de acordada pelo zunir do vento que corria por entre as casas daquela rua antiga, prenunciando uma tempestade de verão. Reviu-se jovem e cheia de sonhos, sem a menor consciência do que a esperava pelas esquinas do tempo, dos longos caminhos que ainda haveria de percorrer até chegar aquele momento.
Naquela outra madrugada, lágrimas escorriam-lhe pelo rosto, lavando-lhe a alma daquela tristeza que lhe parecia sem fim e que, a luz do tempo, demonstrou ser nada mais, nada menos, do que uma tempestade num copo d’água... Ah, as doces paixões da adolescência!... Ah, a primeira paixão, quase sempre não correspondida, quase sempre inesquecível... A imagem dele ainda bailava em sua mente, congelada pelo tempo, numa linda figura de príncipe encantado... Seus olhos castanhos, seu sorriso límpido de quem anda de bem com a vida, sua voz, seus cabelos, seu porte... Vindos através dos anos, rodopiavam em torno dela, revestindo-a de saudade... Saudade dele, dela, da juventude que um dia habitara aquele corpo alquebrado e que ficara lá longe, dos sonhos que a acalentaram, de tudo o que o tempo reteve em seus caminhares...
Sentindo o frio da madrugada, deixou a janela, sentou-se na poltrona, encolhida, cobrindo as pernas com uma manta e, antes de abrir o livro que a esperava sobre a mesinha lateral, ainda ficou uns minutos cogitando sobre o quão bom era sentir tão doce saudade... Tão bom ter tais momentos guardados dentro de si, mostrando que a vida foi vivida com intensidade, com paixões, com sonhos, com esperanças, com amor... Lembranças que mostravam claramente que valera a pena cada passo percorrido nesse longo caminhar... Que razão tinha nosso Fernando Pessoa ao afirmar que “tudo vale a pena se...”

(Winchester, dezembro de 2008)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Dois dedinhos de prosa com a Pátria e com Deus...


Fico aqui conversando com meus botões, quase não acreditando nesta realidade cruel, brutal, insana em que vivemos hoje neste país. 
Que fizeram de ti, ó Pátria Amada? Eu que te conheci simples, discreta, segura, acolhedora, honesta, respeitando teus cidadãos e sendo por eles respeitada, vejo-te agora mergulhada num mar de lama e de descalabros de todos os tipos. Olho-te por todos os ângulos e não vejo nada além de insegurança, medo, roubos, assassinatos, corrupção, impunidade e desesperança... É preciso ser muito "cabeça na lua" para ainda pensar em ti como a terra da promissão, escolhida por Deus para ser Seu lugar de nascimento (não viviam dizendo que Deus era brasileiro?). Teu povo tem medo e vive enclausurado atrás de altos muros, cercado de toda a possível segurança que a tecnologia nos trouxe. Tuas crianças já não vivem soltas e felizes pelas ruas, em brincadeiras, como eu e as de minha geração fazíamos... Teus jovens já não passeiam de mãos dadas, olhos nos olhos, preocupados apenas com a doçura do momento... Teus filhos, chefes de família, já não sabem se voltarão para casa após sua jornada de trabalho... Que fizeram de ti, ó Pátria minha?

Como está difícil, meu Deus! Para onde caminhamos, Senhor? É bem verdade que grande parte dos brasileiros anda esquecida de Ti, dos ensinamentos de Teu filho, do amor por Ele apregoado... É bem verdade que os valores já não são os mesmos e que a educação e a formação dadas hoje aos pequenos carece de disciplina, do ensinamento "tua liberdade termina onde começa a de teu semelhante", ou "respeite se quiser ser respeitado", etc... etc... etc... E, claro, isso faz uma enorme diferença. Faz os pequenos pensarem que são os donos do mundo, que o tal do mundo foi criado para servi-los e que todos lhes devem obediência... Triste não? É evidente, Senhor, que ainda temos muitas e muitas famílias voltadas para o amor, criando seus filhos com responsabilidade. Temos sim, Senhor! E damos graças a Ti por isso, acreditando que nem tudo possa estar  perdido. Mas está insuportável. É só abrir um jornal, ligar o rádio ou a TV e lá está a constatação de tudo o que te digo, Mestre! Vivemos em meio a um caos e temos a impressão de que este país é uma bomba relógio prontinha para explodir... Valha-nos Deus!...