floquinhos

quarta-feira, 30 de junho de 2010

A tarde se põe com poesia...


RECORDO AINDA

Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...


(Mario Quintana)

A nova moradora da casa...

Ela já escolheu seu canto favorito na casa e fica sentada entre o peitoril da janela e o baú.

Faz tempo que minha filha pensa em ter um gato e, no domingo passado, comentando o fato com amigos dela que são veterinários, soube que no hospital veterinário onde o casal trabalha havia uma gatinha que fora entregue para adoção, um animal muito dócil e, segundo eles, o ideal para a casa. Então ontem, depois do trabalho, minha filha resolveu que iria ver a bichana e lá fomos nóa rumo a Bedford, no vizinho Estado de New Hempshire, mais de uma hora rodando pelas auto-estradas do tio Sam, para preencher os papeis de adocão para, só depos, irmos ao Hospital Veterinário da cidade de Nashua (vizinha) retirar a gatinha. Mas valeu a pena... Baby é muito linda! Negra como a noite, o que realça o verde límpido de seus olhos. Delicada, carinhosa, dengosa, como cabe a uma gata, encantou logo a primeira vista. E quando chegamos em casa, solta na sala, fez o reconhecimento do local que seria daí para frente seu lar, andou, voltou, cheirou, e, finalmente, subiu para o peitoril da janela da sala de visitas e lá se deixou ficar, olhando a rua.
E agora, já se sentindo em casa, anda de um lado para o outro na maior calma, mas prefere mesmo é estar perto da gente. Os meninos ainda não a viram porque esta noite dormiram na casa do pai e de lá foram para a escola de verão, mas quando chegarem, logo mais a tardinha, já vão encontrar a "garota" acostumada a casa e muito mais disposta para as brincadeiras.
Assim, esta casa tem uma nova moradora...

terça-feira, 29 de junho de 2010

Entender a vida?...


"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

(Clarice Lispector)

Cinco minutinhos relativísticos?...

(the kids in the After School)

Desde sempre, minha filha e eu passamos tempos enormes em bate-papos, trocas de idéias, conversando sobre tudo e sobre nada. O fato é que, quando iniciamos nosso bate-papo, ele sempre vai longe, estejamos cada uma de nós em um hemisfério (via Skype) ou fisicamente juntas, seja em Winchester, seja em Sampa.
Ontem a noite estávamos ambas em meu quarto quando Alexander, chegando-se para a mãe perguntou se ela queria que ele lesse para ela os poemas de um livro que haviam comprado na tarde anterior. Apesar da pouca idade (nove anos incompletos), ele fé muito bem e quando se trata de poesia, já dá a entonação e a musicalidade as palavras que o poema expressa. Um gosto ouvi-lo. Mas estávamos no meio de uma conversa e minha filha, dizendo que sim, mas que não queria interromper nossa conversa assim, do nada, pediu-lhe que aguardasse por ela em seu quarto por uns cinco minutinhos.
Dez minutos depois o pequeno reclamou da demora e ela pediu-lhe que aguardasse mais uns minutinhos e assim transcorreram mais de trinta minuto quando, impaciente, ele entrou de novo no meu quarto reclamando que ela dissera que seriam cinco minutinhos e que ela não ia nunca... Ao que Angélica respondeu: - Ah, meu filho, mas são cinco minutinhos “relativísticos...” O garoto olhou para a mãe, com carinha de zangado e protestando voltou para sua leitura. Passados mais uns minutinhos ele volta a reclamar e a mãe, rindo, brincando com ele citou Einstein e sua Teoria da Relatividade segundo a qual o tempo é relativo e, se ele estivesse próximo a um buraco negro, então, os cinco minutinhos tenderiam para o infinito... E foi desenvolvendo o tema em tom jocoso, divertida com a expressão do menino que, olhando para ela com ar de enfado apenas virou as costas e foi mergulhar de novo nos versos de Shel Silverstein (Where the Sidewalk Ends), não antes de pronunciar assim, como quem tem que se conformar: - “eu tinha que ter uma mãe cientista?...”
Caímos na risada e ela foi abraça-lo, dizendo que era só uma brincadeira e lá foram os dois em busca de poesia, na doce companhia de mãe e filho, na noite que se fez mágica em Winchester...

domingo, 27 de junho de 2010

Flores e poesia, como acalanto...

Cravos perfumados para vocês...

A tarde vai se pondo mansamente por sobre as árvores do bosque, neste nublado domingo de verão. Um dia cheio de atividades, passeios com os kids, sorvete na pracinha lateral a sorveteria do centro da cidade, compras de última hora no supermercado, tudo tão rotineiro e tudo feito com tanta alegria, com tanto prazer que parecia dia de festa.

Agora a casa está em calma, os meninos sentados no tapete aqui do meu quarto, jogam animadamente, enquanto minha filha vê um filme na TV e eu resolvo chegar aqui no meu cantinho, para estar um pouco com vocês. E venho para trazer-lhes a poesia de Cecília Meireles como um acalanto para esta noite de domingo, que já entra pela janela.

Soneto Antigo

Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.

Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.

O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.

Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.
(Cacilia Meireles)

O destino de algumas cartas...


EU ESCREVI UM POEMA TRISTE

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!

(Mario Quintana)

sábado, 26 de junho de 2010

Se eu tivesse...


"Se tivesse acreditado na minha brincadeira de dizer verdades teria ouvido verdades que teimo em dizer brincando, falei muitas vezes como um palhaço mas jamais duvidei da sinceridade da platéia que sorria."

(Charles Chaplin)

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Manuel Bandeira em prosa.


Poesia e Verso
Manuel Bandeira

Um dia, ao começar a escrever um livro didático sobre literatura, tive que dar uma definição da poesia e embatuquei. Eu, que desde os dez anos de idade faço versos; eu, que tantas vezes sentira a poesia passar em mim como uma corrente elétrica e afluir aos meus olhos sob a forma de misteriosas lágrimas de alegria: não soube no momento forjar já não digo uma definição racional, dessas que, segundo a regra da lógica, devem convir a todo o definido e só ao definido, mas uma definição puramente empírica, artística, literária. No aperto me socorri de Schiller, em quem o critico era tão grande quanto o poeta, e disse com ele: “Poesia é a força que atua de maneira divina e inapreendida, alem e acima da consciência.
Sabeis o que é atuar de maneira divina? Confesso lisamente que não sei. Mas conheço da poesia, por experiência própria, essa maneira inapreendida de ação “nunca pude explicar, em muitos casos, a emoção que me assaltava ao ouvir ou ao ler certos versos, certas combinações de palavras. A propósito, vou contar-voa uma anedota. Havia na Avenida Marechal Floriano um hotel que se chamava Hotel Península Fernandes. Toda vez que eu passava por ali e via na tabuleta aquele nome Hotel Península Fernandes, sentia não sei que pequenino alvoroço – alvoroço em suma de qualidade poética. E ficava intrigadíssimo. Porque aquele hotel de chamava Península Fernandes? Uma tarde, meu primo Antônio Bandeira, igualmente invocado pelo estranho nome, não se conteve, subiu as escadas e foi falar ao proprietário, que era um português terra-a-terra, e sem nenhuma fumaça de literatura.
- O senhor me desculpe a curiosidade, mas porque é que o seu hotel se chama Península Fernandes?
- Muito simples, respondeu o homem. Fernandes porque é o meu nome e Península porque é bonito!
O nome estava realmente explicado, mas a emoção poética não. Atuava de maneira incompreendida.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

A livraria, o café, um pouco da cidade.

Finalmente descansada da longa viagem, volto ao Prosa e a boa companhia de meus amigos.
E, para começar, ou recomeçar, como queiram, vou colocando por aqui algumas fotos que tirei onem, quando fomos buscar os kids na escola, ao passar pelo centro da cidade.
Prédios bem tradicionais porque, afinal, estamos na Nova Inglaterra. Vejam que bonito.


A livraria da cidade, Book Ends, que fica "just around the corner"...

... e, do outro lado da rua, o café, ponto de encontro de amigos e passagem quase que obrigatória de quem sai para o trabalho e gosta de levar consigo o tradicional copo de café para ir tomando pelo caminho.

E vejam que gracinha esta namoradeira - peça em madeira entalhada a mão e pintada, trazida la das Minas Gerais - que passa o dia olhando pela janela, esperando o namorado... A casa que me abriga aqui tem muito do clima brasileiro, muito artesanato, ainda que dentro do dia a dia americano, uma mescla de culturas inclusive com traços europeus, que dão ao ambiente um toque de bom gosto, já que tudo é colocado na medida certa e com muito cuidado para não beirar o exagero.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Deixo com vocês, Mario Quintana.

Queridos amigos, deixo com vocês a doce poesia de Mario Quintana. Quando estiver instalada em meu novo pouso, volto para contar as novidades (se houver), um bate-papo ou, como dizem por aqui, para dois dedinhos de prosa., sempre com poesia.

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Afivelando as malas...

(Um recanto de Winchester)

O amigos que andam pelo Prosa há mais tempo sabem que, uma vez por ano, faço minhas malas e embarco em direção ao Hemisfério Norte, onde por três meses, três incríveis meses, passo a conviver com minha filha e com os kids, lá nas cercanias de Boston, em Winchester, uma adorável cidadezinha, toda florida, com muito verde e muito calor por esta época.
Pois é exatamente isso o que vou fazer amanhã à noite. Pelas asas da United, lá vou eu para estar com meus amores de lá. Viagem longa, cansativa, uma escala em Washington, depois mais hora e quarenta de um voo doméstico até Boston e depois... O lindo sorriso de minha filha na chegada ao aeroporto, os abraços mais que gostosos dos meu netinhos, o aconchego, a alegria de chegar.
E, depois das festas e abraços, depois de instalada no quarto que me é reservado, malas desfeitas e de muito papo, a vida entra em seu ritmo normal e eu volto ao Prosa "cheia de gás" e de novidades, como sempre, tagarelando sobre o que vejo, fotografando o que me encanta, e trazendo tudo o que for interessante, pitoresco, bonito, diferente, enfim, tudo o que eu achar que vai agradar aos meus amigos, aqui para nosso cantinho de prosa e verso. Mas, até amanhã cedo, ainda fico por aqui, entre uma tarefa e outra.
Começa hoje o inverno aqui pelo Hemisfério Sul, mas um inverno que chega com cara de primavera, com temperaturas amenas, sol maravilhoso que se esparrama por sobre esta cidade que amanheceu sorrindo, cujos raios, entrando pelas janelas da casa, refletem-se sobre os cristais da mesa, colorindo o dia, aquecendo a alma... E eu vou afivelando as malas...

domingo, 20 de junho de 2010

Uns miosótis e um pensamento...

Para enfeitar o domingo dos meus amigos, a delicadeza dos miosótis...

"Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente."

(Clarice Lispector)

sábado, 19 de junho de 2010

Meu sábado começa com poesia...


Testamento

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros - perdi-os...
Tive amores - esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei uma prece.

Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado,
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino,
Para arquiteto meu pai.
Foi-se um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

(Manuel Bandeira)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Deixa-nos hoje um dos Escritores de Meu Coração


O mundo hoje ficou menor, com menos brilho e mais triste.
Pelo menos para mim, hoje é um dia triste. Leio, consternada, a notícia da morte de Saramago.
Poderia escrever páginas sobre ele, seus conceitos, sua obra, sua vida, mas... Não. Não o farei. Apenas vou curvar-me ante a verdade da morte e recolher-me nesta tristeza que sempre me envolve ao partir de uma pessoa que foi importante para meu entendimento da vida.
A José Saramago, minha mais sentida homenagem e meu muito obrigada pelos momentos que me ofertou através de seus livros, de sua vasta e magnífica obra.

Um breve momento com Cora Coralina

Cora Coralina foi mulher forte, sensível. Nunca se deixou abater pelas adversidades da vida e transformou cada momento em poesia. Uma mmulher que se mostrou ao mundo poeta já na maturidade e que nos legou ensinamentos maravilhosos, como a frase que ilustra hoje esta postagem.


"Eu sou aquela mulher que fez a escalada da montanha da vida removendo pedras e plantando flores."

(Cora Coralina)

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Ser como as ondas...

"Dai-me, Senhor, a perseverança das ondas do mar, que fazem de cada recuo um ponto de partida para um novo avanço."

(Gabriela Mistral)

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A cada dia que vivo...


"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade."

(Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 15 de junho de 2010

Ninguém consegue ficar indiferente...

Chegou a hora!...

O dia amanheceu azul, uma fina neblina que vai se dissipando, o sol entrando pelas janelas da casa, mas nada disso disfarça o nervosismo que parece dançar pelo ar, que parece passear pelos olhares inquietos e ansiosos de toda uma população. Acho que posso mesmo generalizar, porque ninguém consegue ficar indiferente neste nosso Brasil-sil-sil diante de uma estréia na Copa do Mundo. Seja qual for seu adversário. Por aqui, depois do meio-dia, ninguém trabalha - antes também não, apenas vão marcando presença em seus respectivos serviços, mas o coração fica lá na África.
E dá para recriminar essa população de esperançosos torcedores da seleção que um dia já foi chamada "canarinho"? Recriminar como? Uma população que dia após dia enfrenta problemas de todos os tipos, como a falta de segurança, a dificuldade para conseguir um emprego razoável, o transito caótico, a falta de uma boa educação para suas crianças, a deficiência do serviço médico nos hospitais públicos... Uma população que é alegre de teimosa, porque bem poucas são as razões para essa alegria... uma população que enfrenta tudo e ainda canta, ainda sorri, ainda sonha... E um dos sonhos é, sem a menor dúvida, a conquista do Hexa. E o caminho para esse sonho começa agora, hoje, exatamente esta tarde quando o país para e vira um só coração verde-amarelo, sofredor, ansioso, patriota como nunca.
Como sou a mais normal das gentes brasileiras, já tenho minha bandeira tremulando lá no terraço, já comprei o milho para a pipoca, já tenho no forno umas guloseimas, essas coisas que vão ajudar na hora do "vamos ver". E, seja qual for o resultado, o que vale mesmo é a alegria de ser brasileiro, de ser gente que, parafraseando Chico, vai em frente sem nem ter com quem contar...
E, tomando emprestada a frase que fechava um e-mail que recebi hoje de uma amiga (israelense) lá de Boston, só me resta dizer: FORÇA BRASIL!

Pois, meus amigos, nem gosto de futebol, mas não dá para ficar indiferente ao que se passa nesta nação em dia de Copa. Imagino um clima semelhante em Portugal, na Argentina ou na Itália, países onde esse esporte é, sem dúvida, parte de suas culturas. E estamos todos na mesma luta.
Aqui eu deveria dizer: "e que vença o melhor, não é? Ah, mas meu espírito altruísta não chega a tanto e fico na esperança de "que vença o..." O Brasil, claro... rs...

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Sobre a arte de viver...


"A arte de viver é simplesmente a arte de conviver ...
Simplesmente, disse eu? Mas como é difícil!"

(Mario Quintana)

Vocês concordam com Quintana?

domingo, 13 de junho de 2010

O Sol traz uma cantiga...


Os últimos dias foram cinzentos, de muito frio, dias de se ficar encolhida, entre camadas de agasalhos, sonhando com o calorzinho de um raio de sol como este que agora, passando através da vidraça, aquece meus pés ainda envoltos em meias de lã.
O dia, hoje, amanheceu azul e acordei ouvindo o canto do estridente bem-te-vi que deveria estar empoleirado em algum beiral, aquecendo-se ao sol que finalmente se derrama por sobre a cidade. E, ainda envolta nas cobertas, olhos fechados, no doce aconchego de um amanhecer azul, fui mergulhando nuns delicados versos de Cecília Meireles...

Cantiga

Bem-te-vi que estás cantando
nos ramos da madrugada
por muito que tenhas visto,
juro que não viste nada.

Não viste as ondas que vinham
Tão desmanchadas na areia,
quase vida, quase morte,
quase corpo de sereia...

E as nuvens que vão andando
com marcha e atitude de homem,
com a mesma atitude e marcha
tanto chegam como somem.

Não viste as letras que apostam
formar idéias com o vento...
E as mãos da noite quebrando
os talos do pensamento.

Passarinho tolo, tolo,
de olhinhos arregalados...
Bem-te-vi que nunca viste
como os meus olhos fechados...

(Cecília Meireles)

sexta-feira, 11 de junho de 2010

No Dia dos Namorados...


Quando menina, ou mesmo adolescente, o Dia dos Namorados era pura magia, fantasia. sonho... Sonho de crescer e ter um namorado que me trouxesse flores, que me envolvesse num doce abraço...
Fui, desde sempre uma incorrigível sonhadora, uma romântica "de carteirinha", dessas que podem até sofrer decepções, chorar rios de lágrimas, mas que vão, ainda assim, acreditar no amor. E o que é pior (será que é?), vão passar a vida esperando que ele chegue para acalentar-lhes a alma.
Era, eu, tão miseravelmente romântica a ponto de (imaginem só), em plenos "Anos Dourados" sonhar com uma serenata, daquelas que os rapazes apaixonados faziam sob as sacadas das moçoilas casadouras, nos tempos de minha mãe... rs...
Um dia, muito tempo depois de casada, confidenciei ao meu marido esse meu sonho e ele, todo carinho, enlaçou-me dizendo: - "Ah, minha flor, mas porque você não me disse isso antes... Eu ficaria feliz em fazer uma serenata pra você, mas agora, de que jeito? Moramos no quinto andar..." Conhecendo-o como o conhecia, sabia que ele não "pagaria esse mico". Não naquela época, por mais apaixonado que estivesse... Era meio tímido, cheio de cerimônias, bem diferente do homem de depois, dos últimos anos de nosso casamento, extrovertido, alegre... Mas nunca foi um homem romântico, dado a oferecer flores. Preferia ofertar-me perfumes (e tinham que ser franceses), uma de minhas paixões. Isso depois de faze-lo entender que eletromésticos não são presentes válidos para namoradas... rs... Já os cristais que ele também gostava de me dar, deixavam-me encantada.
Pois foram quarenta e quatro Dias dos Namorados... Vejam só quantos perfumes e quantos cristais eu ganhei!... Ainda guardo comigo o vidro vazio do Femme, primeiro presente dele em nosso primeiro 12 de junho. Guardo-o junto com suas cartas, carinhosamente, como uma relíquia.
E como nunca mais deixei de usá-lo nas noites de inverno, será o perfume que me envolverá em mais este Dia dos Namorados, para mim, dia de uma doce, terna saudade...

Para os amigos e leitores do Prosa que tenham a dádiva do amor em seus corações, em suas vidas, meu abraço e um

FELIZ DIA DOS NAMORADOS...

O encanto das tardes borralheiras...

Dia cinzento de junho, inverno chegando...
Imagino que tenha sido num dia assim, com este jeito de triste, em que, melancólico, sentindo falta das cores da Primavera ou do céu que vai se limpando após uma tempestade de verão, nosso doce poeta escreveu estes versos...
Para vocês, a ternura de Quintana...


Triste Encanto

Triste encanto das tardes borralheiras
Que enchem de cinza o coração da gente!
A tarde lembra um passarinho doente
A pipilar os pingos das goteiras...

A tarde pobre fica, horas inteiras,
A espiar pelas vidraças, tristemente,
O crepitar das brasas na lareira...
Meu Deus... O frio que a pobrezinha sente!

Por que é que esses Arcanjos neurastênicos
Só usam névoa em seus efeitos cênicos?
Nenhum azul para te distraíres...

Ah, se eu pudesse, tardezinha pobre,
Eu pintava trezentos arco-íris
Nesse tristonho céu que nos encobre...


(Mario Quintana)

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Simplesmente Pessoa...


"Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara,.
Quando a tirei e me vi ao espelho
Já tinha envelhecido,
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime."

(De "Tabacaria")

Dia de Camões, Dia de Portugal, Dia da Raça...

(Esta linda imagem foi tomada emprestada ao blog Pitanga Doce. Obrigada, Mila)

Minha querida amiga Mila, do encantador blog "Pitanga Doce" alerta-me para a data de hoje, 10 de junho: Dia Camões, Dia de Portugal e das Comunidades. E tem lá em seu espaço uma homenagem à data (vão lá ler, está linda), que termina dizendo do orgulho de ser portuguesa, ainda que por opção. Orgulho que carrego também dentro de mim, não só por opção ou por ser filha de portugueses, mas também, e principalmente, por ter, por inteiro, alma portuguesa.

Deixo aqui meu abraço aos meus queridos amigos d'aquem e d'além-mar que sintam vibrar em si um doce amor pelas terras portuguesas e por sua gente.

O teu silêncio é...


Faz tempo que não trago aqui, para nosso bate-papo, meu amado Fernando Pessoa. Não que não o leia sempre, nada disso... É que são tantos os poetas de meu coração que acabo me perdendo entre eles. Então, hoje o dia é do Mestre...

HORA ABSURDA

(Fernando Pessoa)

O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas...
Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...
E o teu sorriso, no teu silêncio, é as escadas e as andas
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso...

Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...
O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...
Minha idéia de ti é um cadáver que o mar traz à praia... e entanto
Tu és a tela irreal em que erro em cor a minha arte...

Abre todas as portas e que o vento varra a idéia
Que temos de que um fumo perfuma de ócio os salões...
Minha alma é uma caverna enchida p'la maré cheia,
E a minha idéia de te sonhar, uma caravana de histriões...

Chove ouro baço, mas não no lá fora... É em mim... Sou a Hora.
E a Hora é de assombros e toda ela escombros dela...
Na minha atenção há uma viúva pobre que nunca chora...
No meu céu interior nunca houve uma única estrela...

Mas o céu é pesado como a idéia de nunca chegar a um porto...
A chuva miúda, é vazia... A Hora sabe a ter sido...
Não haver qualquer coisa como os leitos para as naus!... Absorto
Em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido...

Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro,
Minhas ânsias todas talhadas num mármore que não há.
Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro,
E a minha bondade inversa não é nem boa nem má...

(continua)

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Na sua quarta-feira, Guilherme de Almeida

Ausência

(Guilherme de Almeida)

Ausência, minha noiva de olhos baixos, minha
santa azul, cor de céu, cor de distância! Ausência,
que vem bater-me à porta, e me chama e caminha
comigo, passo a passo, ao longo da existência!

Fala - mas sua voz é um bojo silencioso;
olha - seu olhar oco esvazia uma vida;
passa - seu vulto é como o vácuo luminoso
que deixasse no céu uma estrela abolida...

Ela estende no espaço as asas transparentes
de horizonte a horizonte e, ascensional e clara,
branca de lua, entre as cidades diferentes,
desdobra o gesto vagaroso que separa.

Depois, escolhe do alto uma vida: e baixando
o voo de cristal, ela nos bate à porta,
pede pousada... E fica ali gesticulando
o seu gesto outonal de névoa e folha morta.

E ela deixa na vida, então, de que se apossa,
a ressonância que há numa caixa vazia:
e o coração tem medo de bater...
Ó Nossa
Senhora da Saudade e da Melancolia!