Nunca me preocupei muito com a passagem do tempo, a vida para mim foi sempre um encanto, uma caixinha de surpresas que eu ia abrindo, pouco a pouco, colhendo os bons e maus momentos com a mesma serenidade. Se bons, agradecia a Deus e à vida... Se maus, procurava encará-los de frente, tentar contorná-los ou superá-los, por mais que me machucassem. E tão preocupada andava em “viver” que nem vi o tempo passar, nem o senti escoando-se por entre meus dedos... E, de repente... Como diria Vinícius, “não mais que de repente”...
Ora, “não mais que de repente” funciona perfeitamente bem em poesia, mas na vida, na realidade da vida, não é bem assim. Tudo vai acontecendo aos poucos, dia após dia, hora após hora, minuto após minuto... A primeira ruga, os primeiros fios de cabelos brancos, uns quilinhos a mais que ficam difíceis de serem eliminados, uma dorzinha aqui, outra ali, a necessidade mais constante da troca das lentes dos óculos... Mas vai tão lentamente que nem notamos ou, pelo menos eu, nem notei. Só sei que um dia, ao ver minha imagem refletida no espelho do banheiro, fiquei perplexa. Como não havia percebido antes? Como não havia notado as mudanças desenhadas em mim pelo tempo? Ah, tão ocupada estivera em viver (GRAÇAS A DEUS!!!), que fui passando por ele sem que me desse conta dos estragos que ia fazendo em mim.
Confesso que, a princípio, aquilo me incomodou, sim, mas também me fez parar para pensar o quanto aquele caminhar tinha sido generoso, o quanto a vida me oferecera, o quanto eu tinha a agradecer. Afinal, cada ruguinha, cada sulco, cada pedacinho de pele menos sedosa, cada fiozinho de cabelo branco, havia sido trocado por um momento, por um sorriso, por um afeto, por uma lágrima, nem sempre de tristeza, por sentimentos, amizades, amores, todos partilhados e compartilhados ao longo da vida... E fiquei tão orgulhosa de meu rosto assim, envelhecido, mas sereno, marcado pelo tempo, desenhado pela vida!... Olho para trás e vejo um longo caminhar. Olho para mim e vejo uma vida inteira de amor. Olho para o futuro e vejo ainda a esperança dentro de mim... E que venham novas rugas, e que venham outros sulcos, que venham as dores próprias deixadas pelo tempo, pois tenho conseguido agüentar... rs... Porque o bom, mas o bom mesmo, é viver cada minuto, cercada ainda de sonhos, inveterada sonhadora que sou, romântica incorrigível que sempre serei...
Filhos e netos muito amados que se preparem... Vou comprar meu chapeuzinho roxo, muito antes dos oitenta anos, para saracotear ao sabor do tempo... Enquanto Deus assim o permitir.
(Janeiro de 2012)