floquinhos

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Rosas... Rosas... Rosas...


"Os homens cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim e não encontram o que procuram.

E, no entanto, o que eles buscam poderia ser achado numa só rosa."


(Antoine de Saint-Exupéry)


Conectados na alma

Li uma vez que receber uma mensagem por e-mail era bom para melhorar o nosso estado de espírito… não sei se isto tem qualquer fundamento científico, mas sei interpretar meus sentimentos e não tenho dúvidas de que isto é real.
Nos últimos anos tive o privilégio de conhecer pessoas fantásticas que entraram em minha vida nos mais inesperados momentos. Trouxeram mensagens de optimismo, qualidade de vida, humor e reflexão…
Recebo todos os dias e-mails de pessoas que se tornaram importantes na minha vida, pessoas que, por vezes, estão a milhares de quilómetros.. Estou maravilhada com essas pessoas com disposição para serem generosas, amáveis, que enviam mensagens que reconfortam, ajudam e incentivam.
Há pessoas que não gostam de computador, pois ainda não descobriram as possibilidades que pode proporcionar…Dirão que esta troca de mensagens não substitui um abraço. É verdade…. porém, nos últimos tempos, senti-me abraçada, muitas vezes, através das mensagens recebidas...as pessoas que enviam-me poemas, música, humor, fotos e outras mensagens chamo “amigos virtuais”; mas devo dizer que sinto essas pessoas como bem reais, que não têm nada de virtual…pois transformam em mensagem e tornam palpável todo o seu afecto..
Como podemos imaginar tal coisa? Em todo este tempo, alguns mandaram-me apenas mensagens ocasionalmente…
Outros já fazem parte da minha agenda e da minha lista de contato…e têm um lugar no meu coração…Já me sinto um pouco dependente das mensagens, como uma adolescente que espera os amigos para lhes dizer qualquer coisa todos os dias…como em tudo na vida, há que saber fazer uso correto desta forma de relacionamento.
Não deveremos nunca renunciar ao contato físico, mas, às vezes, falta-nos tempo…outras vezes a distância é enorme.
Por isso, este meio é o mais eficaz para mantermos os nossos contatos com as pessoas que nos interessam verdadeiramente. A surpresa de uma mensagem carinhosa que chega carregada de afeto causa uma verdadeira corrente positiva que pode, em muitos momentos, ser terapêutica.
Em certos momentos, a mensagem parece ter sido feita de propósito para nós… como resposta a um mau momento que estamos passando…podes ter a certeza de que, quando menos esperas, chegará essa mensagem, imagem, música ou poema que te fará sentir melhor.Muitas vezes esperamos receber alguma mensagem amiga e… de repente, aí está a mensagem tão desejada.
Poderás dizer que também se recebe muito lixo por e-mail…mas não é também assim na nossa vida de cada dia?
O truque está em filtrar e ficar só com o que é positivo. A nossa função é fazer a seleção daquilo que é efetivamente bom…
Daquilo que nos pode fazer crescer como pessoas, do que nos pode fazer pensar, reflectir, sentir que estamos vivos, amar, saber que estamos neste mundo de passagem, e que não custa nada fazer feliz o próximo e a nós mesmos.
Toda esta gente passará a ter um lugar garantido na minha vida.Por vezes será difícil responder a todos com a brevidade desejada…mas estou convencido de que vale a pena gastarmos um pouco do nosso tempo para repartir carinho apenas com os comandos de “Enviar” ou de “Reenviar”.

Fernanda Ferreira (Ná)
(http://cvssemprejovens.blogspot.com/)

- Texto publicado aqui com autorização da autora a qual deixo meus agradecimentos -

terça-feira, 28 de abril de 2009

O valor das coisas...


(Fernando Pessoa)

"O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.

Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis!"

Palavras guardadas pelo mar...


O amanhecer encontrou-a caminhando sobre a areia molhada daquela praia distante, vazia aquela hora da manhã. Seus pensamentos rodavam desordenados em sua cabeça... Como se portar diante da enorme incerteza que lhe preenchia a alma? A água gelada, vinda em pequenas ondas banhava seus pés descalços e a barra de seu vestido, trazendo uma sensação de frio ao seu corpo cansado pela noite insone... Tantos projetos inacabados, levados pelo vento e agora que ela finalmente sentia-se em paz, conformada em viver um momento sem sobressaltos, numa rotina que lhe parecia benfazeja, aquela presença retornava a sua vida, assim, como se tivesse saído do nada, ou de um passado que ficara retido em suas lembranças, pedindo continuidade, exigindo um espaço que já não lhe cabia.

Porque ele resolvera voltar agora, exatamente agora, quando tudo parecia estar em seus devidos lugares, quando a paz parecia finalmente reinar em seu pequeno mundo? Um mundo sem emoções, era verdade, onde sua alma inquieta e inconformada reclamava da solidão em que fora lançada... Percebia assustada que não o esquecera, que talvez não o esquecesse nunca.
As flores vieram com um pedido de perdão, os telefonemas diziam de seu arrependimento, os e-mails contavam de seu amor, amor pelo qual ela tanto lutara e que acabara por leve-la quase ao desespero quando ele se foi seduzido pela juventude que ela já não poderia ostentar, O encanto passara tão depressa quanto tinha vindo, e ele tentava, agora, retornar ao aconchego do amor antigo,
Não!... Não cederia aos apelos de sua tresloucada alma, não queria voltar aquele mundo de incertezas em que vivera por tantos anos. Quebrada a confiança, nada, jamais, seria como antes. Haveria sempre a magoa escondida num cantinho de seu ser, Haveria sempre o medo de um novo encanto dele pela juventude, mais um desencanto para seu coração...
Decidida, já ia retornando a casa quando sentiu, vinda lá do fundo da alma uma pergunta que a fez estremecer... sentou-se na areia molhada, lágrimas escorrendo pelo rosto, braços cruzados sobre o peito que parecia doer e entre soluços sufocados, sussurrou: “E este amor? Este imenso amor que tenho ainda dentro de mim? Que faço com ele?...”
O vento batendo em seu rosto levou suas palavras para o fundo do mar e ela se deixou ficar ali, sozinha, mais só do que nunca, sem coragem para recomeçar...

Dulce Costa
Na manhã do dia vinte e oito de abril do ano de dois mil e nove.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Nossas pequenas loucuras...


"Para tornar a realidade suportável, todos temos de cultivar em nós certas pequenas loucuras."

(Marcel Proust)

A poesia de Castro Alves


As Duas Rosas

São duas rosas unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez no mesmo arrebol,

Vivendo no mesmo galho
,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol

Unidas, bem como as penas
Das duas asas pequenas

De um passarinho do céu...

Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu...

Unidas bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...

Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.


Unidas...Ai quem pudera

Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida

Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor.

domingo, 26 de abril de 2009

As palavras...


"As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade."

(Victor Hugo)

Despertar...


Acordar ainda madrugada, despertar no silêncio da quase manhã de uma cidade que parece dormir, olhos ainda fechados, deslizar a mão para o travesseiro ao lado e só encontrar o vazio, aquele vazio intenso, lancinante... Faz tanto tempo e ainda me assusto com a sua ausência...

sábado, 25 de abril de 2009

Só um pensamento ...


"Também temos saudade do que não existiu, e dói bastante."

(Carlos Drummond de Andrade
)


Florbela, Florbela... Sempre Florbela...

O MEU AMOR

(Florbela Espanca)

Trago dentro de mim, amortalhado,
Um amor de tragédia, extraordinário,
Amor que é uma cruz sobre um calvário
Onde o meu peito jaz crucificado!

Amor que é um rosal já desfolhado,
De pétalas de um branco funerário,
Amor que tem os gelos dum sudário
E as chamas de um inferno não sonhado!

Amor que compreende mil amores,
Amor que tem em si todas as dores,
Amor que nem eu sei o que ele encerra...

Amor de sacrifício e de saudade,
Amor que é um poema de bondade,
Amor que é o maior amor da terra!

E por falar em belezas marinhas...

(Clique na foto para amplia-la)

E já que falamos no New England Aquarium de Boston. vejam essa aguaviva, tão linda quanto perigosa... Numa visão deslumbrante, que a foto não faz, absolutamente, juz, vai tomando as cores das luzes que são projetadas sobre ela.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Só uma foto...

(Clique na foto para amplia-la)

Estrela do mar - New England Aquarium, Boston MA


Hoje foi dia de correria, sem tempo para escrever, então resolvi deixar um foto para vocês,
com carinho...


Dulce

Um momento com Fernando Pessoa...


"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."



Faltou o Quase... Faltou tudo!...

"QUASE"

Ainda pior que a convicção do não, é a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase!
É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.
Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase amou.não amou.
Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.
Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna. A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e na frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "bom dia", quase que sussurrados.
Sobra covardia e falta coragem até para ser feliz.
A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.
Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor.
Mas não são.
Se a virtude estivesse mesmo no meio-termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.
O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.
Preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.
Para os erros há perdão, para os fracassos, chance, para os amores impossíveis, tempo.
De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma.
Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.
Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar.
Desconfie do destino e acredite em você.
Gaste mais horas realizando que sonhando...Fazendo que planejando... Vivendo que esperando...
Porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.

(Luís Fernando Veríssimo)

quinta-feira, 23 de abril de 2009

DIA INTERNACIONAL DO LIVRO


"Uma casa sem livros é como um corpo sem alma"

(Cícero)

A Poesia de Fernando Pessoa

(Álvaro de Campos)

Começa a Haver

Começa a haver meia-noite, e a haver sossego,
Por toda a parte das coisas sobrepostas,
Os andares vários da acumulação da vida...
Calaram o piano no terceiro andar...
Não oiço já passos no segundo andar...
No rés-do-chão o rádio está em silêncio...

Vai tudo dormir...

Fico sozinho com o universo inteiro.
Não quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anticitadino! —
Antes, recluso,
Num desejo de não ser recluso,
Escuto ansiosamente os ruídos da rua...
Um automóvel — demasiado rápido! —
Os duplos passos em conversa falam-me...
O som de um portão que se fecha brusco dóí-me...

Vai tudo dormir...

Só eu velo, sonolentamente escutando,
Esperando
Qualquer coisa antes que durma...
Qualquer coisa.

Há dias em que...


Há dias em que a alma parece vazia, as palavras não chegam, os sentimentos parecem entorpecidos e eu pareço caminhar no nada... As lembranças doces ficam encolhidinhas no fundo do baú e as amargas ficam dançando valsa vienense sobre meu coração...
E nesse momento eu me lembro de você, de como me refugiava em seus braços, em seu colo, em seu amor...Olhos fechados, encolho-me num canto qualquer e me deixo levar pela saudade...

quarta-feira, 22 de abril de 2009

O tempo? Ah, o tempo!...

(William Shakspeare)

"O tempo é algo que não volta atrás. Por isso plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores..."

Dia do nosso planeta,


DIA DA TERRA

Hoje é Dia da Terra e, melhor do que eu, fala a respeito Carlos Barbosa de Oliveira, do excelente Blog
Cronicas do Rochedo (clique no link para ler o artigo). Recomendo sua leitura e mais não digo, porque não se faz necessário.


terça-feira, 21 de abril de 2009

MEUS POETAS DO CORAÇAO - Florbela Espanca


FUMO

Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,

Há dias sem calor, beirais sem ninhos!


Meus olhos são dois velhos pobrezinhos

Perdidos pelas noites invernosas...

Aberto, sonham mãos cariciosas,

Tuas mãos doces, plenas de carinhos!


Os dias são outonos: choram... choram...

Há crisântemos roxos que descoram...

Há murmúrios dolentes de segredos...


Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,

Fumo leve que foge entre os meus dedos!...

Sem a menor dúvida...


"O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário."

(Albert Einstein)


A POESIA DE DRUMMOND


AS SEM RAZÕES DO AMOR


"Eu te amo porque te amo

Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,

é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo bastante a mim.

Porque amor não se troca,
não se conjuga, nem se ama. Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,

e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor."

(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

Uma linda poesia numa manhã enfarruscada...


HELDER MACEDO

Entre Espelhos

Porque nasci entre espelhos
existo para além da minha imagem
que será minha
quando me encerrar
no espelho final da minha vida.

Porque nasci entre espelhos
meu amor
ao amor que tu me deres
não posso devolver
nada mais que a minha vida passageira
meu espelho paralelo
meu amor
que só sem mim me podes conhecer.

Porque nasci entre espelhos
tenho pressa
de encontrar-me face a face

e a minha imagem mudou
quando te amei
porque nasci
e fui nascendo sempre
por amar-te
até ficar sozinho

sem mim
no espanto encruzilhado de o saber
cresci sozinho para além de mim
perdi a própria sombra
e vivo onde não sei quem estou a ser.

Quando a morte chegar
quando eu chegar à morte
quando
eu
morrer
e de mim não sobrar nem a memória
que me foi alma durante a minha vida,
entre espelhos lentamente revelado
os olhos cerrarei.
E porque ausente
terei sido
inteiro.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Poesia na noite...


AONDE?...

Ando a chamar por ti, demente, alucinada,
Aonde estás, amor? Aonde... aonde... aonde?...
O eco ao pé de mim segreda... desgraçada...
E só a voz do eco, irônica, responde!

Estendo os braços meus! Chamo por ti ainda!
O vento, aos meus ouvidos, soluça a murmurar;

Parece a tua voz, a tua voz tão linda

Cantante como um rio banhado de luar!


Eu grito a minha dor, a minha dor intensa!

Esta saudade enorme, esta saudade imensa!
E só a voz do eco à minha voz responde...

Em gritos a chorar, soluço o nome teu
E grito ao mar, à terra, ao puro azul do céu:

Aonde estás, amor? Aonde... aonde... aonde?...

(Florbela Espanca)

SELO DA AMIZADE


O "Em prosa e verso", mais uma vez fica todo prosa. E desta vez foi com a gentileza da amiga Maria Emilia, do lindo Blog "Tal Qual Sou, que nos oferece o "Selo da Amizade". Um lindo prêmio pelo qual fico muito honrada e agradecida.

E, como todo prémio tem suas regras, deixo-as abaixo com os nomes dos blogs escolhidos:

Regras:

1 - Exibir a imagem
2 - Postar o link do blog que o premiou
3 - Publicr regras
4 - Indicar 10 blogs para receber o selo
5 - Avisar os indicados

Os blogs escolhidos são:

Blogs:

O Açor - Lourdes
Poesia Expressão da Alma - Anine
Diário da Fafi - Fatima Reis

Mau, triste e feio - Osvaldo
Ave sem Asas - Ana Martins
Eco de Palavras - Maria Valadas
Africa em Poesia - Lili Laranjo
Fernanda e Poemas - Fernandinha
Pedaços - Bell
Pico Minha Ilha



Um amanhecer envolto em magia...


Acordo antes do dia amanhecer e já completamente desperta. Acendo o quebra-luz, recosto-me na cabeceira da cama, abro meu laptop, que sempre fica na mesinha ao lado e ao acessar meu blog, o maravilhoso violino de Joshua Bell preenche o espaço, enleva minha alma. Fecho meus olhos e me transporto aos doces anos de minha adolescência, as páginas da biblioteca das moças, a um acampamento cigano... A noite é de lua cheia e o espaço está pleno de romantismo, com o mesmo som de violino preenchendo as almas, mas quem o toca é Wladimir. Sua imagem projetada pela luz do luar é pura magia. Porte esbelto e altivo, profundos olhos negros, cabelos em desalinho caindo-lhe por sobre a testa, O tecido de sua bufante camisa de seda, muito branca, parece dançar ao som da musica, quando movida por um vento suave, Calças ajustadas ao corpo, botas de montaria...
Quantas vezes, ao ler essas doces histórias da biblioteca cor-de-rosa, no mundo encantado dos meus quinze anos, não sonhei ser Esmeralda, a de olhos verdes e sonhadores, que se deixava levar pela musica que a conduzia aos braços fortes de seu Wladimir... E na história desse amor havia sempre traições, despeitos, maldades, ciúme, mas no final, o amor sempre triunfava e Esmeralda vivia feliz para sempre ao lado de seu belo cigano...
E essa figura máscula, esse cigano de alma pura e caráter reto e indomável, preenchia todos os sonhos das meninas de então... Nunca viramos um cigano e certamente todas nós sofreríamos uma triste decepção ao não encontrarmos nenhum Wladimir entre os homens comuns e sem graça que formavam o bando de ciganos em passagem pela cidade...
Wladimir era o sonho, a fantasia, a magia dos quinze anos de então...
O violino de Joshua Bell continua a preencher minha alma que chora de saudade de seu Wladimir, que na verdade nada mais era do que uma fuga da realidade de uma menina sem graça mas cheia de sonhos...

Dulce Costa
No mágico amanhecer do dia vinte de abril do ano de 2009

domingo, 19 de abril de 2009

Um momento com Cecília Meireles

(Boston Common Park)

RETRATO


Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?



Uma historinha de família...

Domingo de sol, mais parecendo um dia de verão, e enquanto os netos, que nos visitam neste final de semana, ainda dormem, aproveito para vir ao blog conversar um pouco com meus queridos amigos.
Há dias em que um assunto fica bailando dentro de mim, pedindo para ser transformado em palavras, e nem sei bem porque, mas enquanto não venho e escrevo, as palavras, as sentenças, ficam me pressionando... Às vezes, como hoje, é um tema banal, familiar, que não precisaria nem vir à tona, mas aqui está, como um complemento do texto abaixo, escrito há dois dias, para minha filha em seu aniversário.

Como disse, meu marido afirmou que a educação e a formação de minha filha seria tarefa minha porque ela, sendo mulher, teria fatalmente que ser mais uma dona-de-casa. O que ele não contava era com o fato dos tempos serem outros, dela ter nascido numa cidade grande e cheia de oportunidades, além dela mesma ser uma pessoa valorosa, cheia de sonhos e de planos para o futuro.
Os anos se passaram ela foi trilhando seu caminho e finalmente chegou o dia em que ela iria defender sua tese de doutorado, no INPE, em São José dos Campos, doutorado que fizera parte no INPE, parte na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Muita tensão, ela muito nervosa, mas no final tudo correu muito bem e depois de terminada a apresentação, o orientador dela o Dr. Thirso Vilela veio nos cumprimentar e eu, emocionada, olhava para meu marido com receio de que tanta emoção fosse demais para ele. Quando ficamos sozinhos, ele segurou minha mão e com os olhos iluminados sussurrou:
- Duzinha, minha flor, nós educamos direitinho nossa menina, não foi?
Lembrando o que ele dissera na maternidade quando ela nasceu, olhei bem dentro dos olhos dele, segurei seu rosto entre minhas mãos e disse carinhosamente:
- Nós quem. “Cara Pálida”?...
Acho que ele se lembrou, também, do que dissera quando ela nasceu porque, arregalou os olhos de espanto e respondeu, naquela sua calma maneira de falar, bem ao jeito lá das Minas Gerais:
Nóis, uaiiii!... Você e eu...
E explodimos numa gostosa gargalhada que terminou num abraço carinhoso, bem apertado, desses que só os cúmplices conseguem dar... E naquele momento ele disse que dava a mão à palmatória, mas na verdade ele sempre foi o grande incentivador dos filhos no que se referia aos estudos, ao conhecimento... Claro que eu sempre estava lá para ajudar no empurrãozinho, mas se alguém merece créditos pelo que os filhos são, hoje, sem dúvida nenhuma, esse alguém é meu amado e saudoso Bira...
Beijo procê, meu amor, aonde quer que esteja... Saudade... Tanta...

Dulce Costa
Na ensolarada manhã do dia dezenove de abril do ano de dois mil e nove.

sábado, 18 de abril de 2009

UM PENSAMENTO (8)

O sonho encheu a noite
Extravasou pro meu dia
Encheu minha vida
E é dele que eu vou viver
Porque sonho não morre.

(Adélia Prado)


Apenas um Lembrete...


Carlos Drummond de Andrade

"Se procurar bem, você acaba encontrando não a explicação (duvidosa) da vida, mas a poesia (inexplicável) da vida.."

sexta-feira, 17 de abril de 2009

PARA MINHA FILHA - Porque é seu aniversário...

ANGELICA

Corria o ano de 1965, meus dois filhos já estavam crescidinhos e uma terceira criança ainda não fazia parte dos nossos planos.
Numa tarde de final de junho os meninos estavam na área da frente da casa, conversando com uma garotinha, filha do proprietário do armazém do lado, e ela dizia que a irmãzinha tinha nascido, que era maravilhoso ter uma irmãzinha e que eles nunca iriam saber disso porque eles não tinham nenhuma, enfim, essas coisas que crianças dizem para que se sintam elas mesmas melhores, o que é uma característica da ingênua e, quase sempre, inofensiva maldade infantil, essa maldade que em uns se dissipa com uma boa formação e que em outros se acentua pela vida afora...
Num determinado momento eles resolveram entrar e correram para mim e para o pai dizendo que queriam uma irmãzinha também. Rimos e tentamos explicar que, no momento, isso seria um pouco difícil. Mas difícil mesmo era tentar convence-los de que nossa família já estava completa e que um terceiro filho (ou filha) não fazia parte de nossos planos.
O dia passou e à noite, depois de tê-los colocado na cama, ouvi barulho no quarto deles e fui pé-ante-pé, ver o que acontecia. Entreabri a porta e pude ver meus dois meninos de joelhos, junto à cama, mãos postas em oração, pedindo: “Deus, por favor, dá uma irmãzinha pra gente... por favor...” Fechei a porta com cuidado e voltei para meu quarto, comovida. Mas a nossa situação financeira era difícil e, realmente, mais um filho seria problemático. Dizem que Deus ouve as crianças, não sei... o fato é que, um tempinho depois houve um famoso “escorregão na casca de banana” e lá estava eu, grávida!
A alegria dos garotos foi imensa e só se referiam ao bebe que ia nascer como “nossa princesa”. Eu bem que tentei explicar que poderia ser um outro menino, mas qual o que, eles diziam que era menina, e pronto! E era mesmo!
Na madrugada de 17 de abril, nasceu minha filha, Angélica. E aí entra mais um capítulo curioso da história de nossa família: o parto foi meio difícil e quando voltei da anestesia, meu marido, ao lado da cama, olhava para mim com um largo sorriso no rosto dizendo: “é uma menininha... e é linda! E esta você vai educar, porque é mulher, vai ser dona de casa, mesmo... Os meninos ficam por minha conta, mas a menina é você quem educa...” Pensei lá comigo: “deixa estar...”
E o tempo foi passando, as crianças crescendo, transformando-se em adultos responsáveis, todos, como o pai, amantes da cultura e do saber, um orgulho para qualquer mãe... E minha menina, aquela que seria dona de casa? Realmente hoje ela é “também” dona de casa prestimosa, cuidadosa... claro. Mas muito mais que isso... Dedicou-se aos estudos, cursou a Faculdade de Física da USP, fez mestrado e doutorado em Ciências Espaciais no INPE e na Universidade da Califórnia, pós-doutorado na Universidade de Princeton, foi professora da Universidade da Pensilvânia e é, atualmente, cientista pesquisadora do MIT, na área de Astronomia. Tem dois lindos garotinhos, enfim, uma pessoa, linda, linda na verdadeira expressão da palavra, porque além de tudo, é uma linda mulher... Minha menininha, a que nasceu pelo desejo dos irmãos, a que ficou para que eu educasse, porque afinal, mulher, no conceito retrógrado dos machões de antigamente, nascia para ser dona de casa, para esquentar sua linda barriguinha no fogão e esfriar no tanquinho de lavar roupa... Ficou para que eu educasse e eu o fiz, acho que com muita maestria... pelo menos com muito, mas muito amor...

Dulce Costa

Viajar é preciso...

(Amir Klink)

"Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si próprio, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver."

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Depois de algum tempo...


"Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança. E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes, não são promessas. E comeca a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança..."

(William Shakespeare)

Na cavalgada do tempo...


Acordo ouvindo o canto de bem-te-vi, que se confunde com o ronco dos motores dos carros que passam na rua. Ainda sonolenta, sem sequer abrir os olhos, penso que a semana já vai ao meio, que o mês também acaba de passar de sua metade, que o tempo parece cavalgar livre e solto no espaço e, nessa louca cavalgada leva junto nossos sonhos, muitas de nossas esperanças, nossas vidas...
A esse pensamento encolho-me mais entre os lençóis. E a menina que ainda mora dentro de mim ri desse meu susto, gosta de brincar com meus sentimentos, com meus medos. Peço-lhe que se recolha ao seu tempo e me permita viver o meu e ela, traquinas, volta aos seus contos de fada, ao seu jogo de amarelinha, a sua rua antiga.
Percebo agora a chegada da jovem sonhadora que ainda se esconde num cantinho de mim. Vem tão linda, tão cheia de amores platônicos e irreais, que me comove... Sorri para mim como a dizer que ainda tenho muitos sonhos para sonhar. Peço-lhe que seja razoável e quê se recolha a sua biblioteca cor-de-rosa e as suas musicas românticas e ela volta ao seu canto abanando a cabeça como a dizer que eu não deveria espantar seus sonhos, nem os meus..
E então chega até mim a mulher em sua plenitude, a que se redescobriu de repente ainda jovem e cheia de planos, ainda carregando a alegria da menina e os sonhos da jovem, essa mulher que se ocupava com a família sem esquecer de si mesma, de seu amor, de sua alma. Peço-lhe que fique e converse um pouco mais comigo, mas ela sorri, desculpa-se e volta para sua atarefada vida.
Ao olhar para o lado vejo finalmente a mulher madura, senhora de si, que suplantou tantos momentos ruins, mas que vivenciou tantas alegrias, que se fez amada, que se sentiu quase realizada. A mulher que hoje sou, e que carrega ainda em si a menina, a jovem, e a mulher por inteiro, e que depois da longa caminhada ainda olha para a frente com esperança, ainda crê no amor, ainda sabe sonhar...
O tempo não passou em vão, afinal...

Dulce Costa
No amanhecer de dezesseis de abril do ano de 2009.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Quem responde?


Mario Quintana

Mas que haverá com a Lua, que, sempre que a gente a olha, é com um novo espanto."


Poesia ao cair da tarde...

Amiga


Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor,
A mais triste de todas as mulheres.

Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa, a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!

Beija-me as mãos, Amor, devagarinho...
Como se os dois nascessemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...

Beija-mas bem!... Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos,
Os beijos que sonhei prà minha boca!...

(Florbela Espanca)

terça-feira, 14 de abril de 2009

SOBRE AMIZADE...

"A glória da amizade não é a mão estendida, nem o sorriso carinhoso, nem mesmo a delícia da companhia. É a inspiração espiritual que vem quando você descobre que alguém acredita e confia em você."

(Ralph Waldo Emerson)


CRONICAS DA VIDA



PAIXAO NO OUTONO DA VIDA


Paixão é sentimento arrebatador, que chega rompendo barreiras, pondo fogo no corpo e na alma, não pede licença nem conhece medidas, não tem idade nem preconceitos, não mede distâncias nem tempo. E quando resolve se instalar num pobre coração que transita pelo outono da vida, pode fazer estragos irreparáveis, pois tira do sério esse coração e faz dele um brinquedo, um boneco de pano que ao fim acaba jogado, desbotado, sem encantos, para o resto de seus dias...
E quem, em sã consciência, pode supor que depois dos sessenta ainda se tenha tanta ânsia, tanto desejo dentro de um corpo já desgastado pelos desencantos da vida? Esse pobre ser passa então a esconder seus anseios e seus sonhos mais profundos, mais lindos, sonhos que encantariam qualquer adolescente, porque teme ser ridicularizado pela sociedade que nega aos mais velhos todo e qualquer direito de amar, de ser amado, de viver plenamente e de ser feliz. Essa sociedade cruel que trata seus velhos como objetos descartáveis, como algo que devesse ser escondido no armário, pelo simples fato de já não terem mais o viço e a beleza tão passageiros da juventude.
E no entanto, ao transitarmos pelo outono da vida, a paixão acontece em toda a sua plenitude! Como entre os mais jovens, ela chega e toma conta de tudo. Os dias parecem novamente cheios de cores, de luzes, de musicalidade. O olhar volta a ser brilhante e o sorriso paira nos lábios. Tudo fica mais bonito, mais alegre... Vive-se então um período pleno, muito mais intenso, porque traz o gosto desesperado do último sonho, da última esperança, porque na maturidade tudo tem um outro sentido, um outro sabor, uma vez que nessa fase da vida nós nos agarramos com unhas e dentes àquilo que nos faz viver. E existe algo que desperte mais o sentimento de vida que a paixão?
Mas se a um homem maduro esse sentimento ainda é permitido, ou melhor, tolerado, o mesmo não ocorre quando se trata de nós, mulheres! Nós não temos reconhecido esse direito! Não nos podemos atrever a viver essa doce loucura chamada Paixão... Se inadvertidamente formos atingidas por ela, passamos a ser encaradas como ridículas criaturas, como velhinhas safadas e sem vergonha, como possíveis esclerosadas. Negam-nos o direito à vida, negando-nos o direito ao amor... Mas que sabem eles, os pobres jovens, da vida e do amor, da paixão e da dor que ela pode nos causar? Pensam que sabem... Apenas pensam, como nós já pensamos um dia...
Acontece, porém, que a alma amadurece sem envelhecer e o coração, quando inquieto, não percebendo a passagem do tempo, continua ansiando por incontidas emoções que o elevem num doce sonhar, às alturas de um amor sem fim, que o faça perceber luz entre as trevas, sol em meio à chuva, luar por sobre as águas em noite de tempestade, sons de anjos cantando em meio ao burburinho de uma multidão, paz incontida de uma ternura tão grande que possa transformar este mundo insano e cruel em um delicado jardim florido onde possam ser depositados todos os seus anseios.
Paixão que explode no outono de uma existência é fase ímpar na vida de quem, já longe do "glamour" da juventude, sequer suspeitaria poder ainda se sentir tão viva, tão plena, tão mulher. Passada essa fase de paixão, restam as doces lembranças do que poderia ainda ter sido... Lembranças, que acalentam o coração, apesar de tudo... Acalentam o coração, mas não diminuem o vazio que se instala então... Um vazio que dilacera, que permanece para sempre...

Dulce Costa
(São Paulo, maio de 2002)

segunda-feira, 13 de abril de 2009

O PROLOGO E OS PREFACIOS (O começo no final)

Como prometi na postagem anterior, deixo aqui a parte final do meu livro que, na verdade, é exatamente a parte inicial, isto é, um pequeno prólogo explicando o porque dos três prefácios.

Um pequeno prólogo

Este não é apenas um livro de memórias.
Desde que este projeto começou a tomar corpo, tinha como única finalidade passar aos meus filhos e netos um pouco das histórias e das tradições de nossa família. Queria que conhecessem um pouco além do que hoje vivenciam ou do que seus filhos hão de vivenciar, um dia. Queria que vissem um pedaço, pelo menos, das raízes que geraram os frutos que hoje são. Espero ter conseguido.
E como este é, essencialmente, um livro para meus netos e seus descendentes, pedi a cada um dos meus filhos que deixasse aqui algumas palavras para que solidificassem ainda mais o propósito do meu coração. Assim, este é um livro com três prefácios e é, cada um deles, um doce afago para o meu coração.
Explicados os motivos, peço ao leitor que me acompanhe nesta viagem aos tempos de minha meninice, aos cantos e recantos do velho Bairro do Brás, ao meu querido casarão, aos rincões de minha memória.

Primeiro Prefácio

Quando “Dona” Dulce me pediu para escrever o prefácio de seu livro de memórias, tão ansiosamente aguardado por mim e por umas poucas pessoas de seu convívio a quem confidenciara seu projeto, fiquei, a princípio, lisonjeado... Depois, apreensivo! Eu já havia lido boa parte das estórias, dera palpites em algumas delas, me emocionando com a descoberta de fatos que já faziam parte do anedotário da família. Compreendido, por fim, o significado de passagens sobre as quais tivera conhecimento ainda na infância, com todas as particularidades e limitações que o ponto de vista de uma criança pode ter sobre os “fatos da vida”. Nada como o passar dos anos e a chegada da maturidade quando se trata de esclarecimentos e revelações...
Como estar à altura de depoimentos tão comoventes? Como fazer justiça a tamanha sensibilidade que eclodia ao mesmo tempo singela e com tanta força de expressão?
Ocorreu-me que a melhor maneira de fazê-lo seria contando, eu mesmo, uma outra memória...
Trata-se, creio, de minha mais remota lembrança... Pelo lugar onde se passa (uma pequena “rua de vila”, no bairro da Penha, zona leste de São Paulo) eu deveria ter entre 2 e 3 anos de idade. Chovia torrencialmente. Estava amedrontado com a tempestade, com o pipocar incessante dos relâmpagos, seus clarões inesperados e trovões assustadores que faziam as janelas e tudo mais ao redor vibrar.
Lembro-me da porta da rua aberta, uma enxurrada passando ao largo. Estava escurecendo... (seria fim de tarde?) e havia uma linda e jovem senhora agachada ao meu lado. Cabelos negros e compridos. Vinte e poucos anos de idade. Ela sorria para mim, procurando me acalmar com seu olhar afetuoso. Procurava transmitir-me tranqüilidade. Pareceu-me encantada com o que via (encantamento, aliás, que carrego comigo até hoje, quando me debruço no parapeito de minha janela para apreciar a beleza de uma tarde de chuva!). Chamava-me a atenção para as gotas que caíam do céu. Não sei bem como nem quando mas, de repente, havia ao meu lado uma pequena frota de navios de papel, que ela pacientemente fizera, e pusémo-nos a lançá-los, um a um, na correnteza, que os levava embora, para destinos ignotos.
Hoje, passados 40 anos deste “acontecimento”, que recordo de maneira tão nostálgica, não posso deixar de me sentir grato por aquele momento mágico, e muitos outros mais, que tive a oportunidade de vivenciar na companhia daquela (eternamente!) jovem senhora, cuja vida os leitores deste livro terão a oportunidade de conhecer e que, felizmente para mim, quis o destino que fosse minha mãe.
.
Ubirajara de Oliveira Costa Jr.
Campinas, outubro de 2001

Segundo Prefácio

Um prefácio que é uma dedicatória à autora.

Em tudo deve haver arte, existir arte e se viver com arte.
E por falar em viver, o que somos além do pensar e exercer estética e profundamente o quotidiano?
E a Artista, então?
- Ora, a Artista é nossos olhos e tato quando não estamos, nosso olfato quando congestos, extensão de nossos sentidos. A Artista é aquela que desnuda o quotidiano e nos desperta da estúpida rotina de não pensar, invadindo-nos com um aroma, a quase voz ainda precária de uma criança ou um encontro ou outro desencontro definitivo, lembranças reveladas entre as frases, como que nos espiando por uma fresta no tempo.
Suas crônicas, Dulce, são esta fresta, e esse tempo, e esse olhar emprestados, materializados em palavras, ainda pulando corda e amarelinha, vivos na menina que ainda é.

Parabéns.

Fábio de Oliveira Costa
São Paulo, outubro de 2001

Terceiro Prefácio

A princípio não havia a idéia de escrever um livro, apenas o desejo de uma avó de colocar no papel uma série de “pequenos fatos” que, como uma “message in the bottle” para seus netos seria o retrato de uma geração e de uma época que não mais existem. Com o tempo, os “pequenos fatos” tornaram-se estórias, e eram tantas estórias a serem contadas que acabou-se tendo um livro e, com o livro, a realização de um grande sonho de juventude, o sonho de ser escritora.
Parabéns, mamãe, pela realização de seu sonho! E obrigada por ter compartilhado, neste livro, sua infância com todos nós.

Angélica de Oliveira Costa
Filadélfia, PA, outubro de 2001


Obrigada a todos pela atenção dada a este livro e aos comentários, sempre muito gentis

Dulce Costa

domingo, 12 de abril de 2009

CRONICAS DE MINHA INFANCIA (28)

Meus queridos amigos,

Este crônica encerra o livro, mas gostaria ainda de colocar os prefácios, porque têm um significado especial para mim, uma vez que foram escritos por meus três filhos. Eu o farei amanhã, junto com uma pequena explicação. Por hoje quero agradecer a atenção de todos vocês que acompanharam dia a dia, estas pequenas histórias que formam parte das lembranças de meu bau de memórias. Muitíssimo obrigada pelo acompanhamento e pelos comentários sempre muito gentis.


O VESTIDO DE BAILE

Olhou atentamente para sua figura no espelho e não pôde esconder o sorriso. Finalmente começava a emergir um cisne daquele patinho feio... Valera a pena o sacrifício da ginástica, que ela não gostava, e da abstenção dos doces e massas, que ela tanto gostava. A mudança fora total! Aquela menina gordinha, sem graça, extremamente introvertida, que vivia se encolhendo para não ser notada, cedera lugar a uma jovem atraente, mais confiante, começando a ficar de bem com a vida. Agora, finalmente, poderia realizar o sonho de ir ao seu baile de formatura... Agora aquele maravilhoso vestido caberia nela e, melhor ainda, ficaria muito lindo nela!
A esse pensamento, dirigiu-se à cômoda que se encontrava num canto do quarto, puxou uma das gavetas e dela retirou uma caixa que abriu encantada. Desdobrou a página cuidadosamente guardada de uma das revistas da época - seria de “O Cruzeiro”? ou da “Cinelândia”, talvez? O título: June Allison na entrega do Oscar! E lá estava ele, lindo, diáfano, num tom de azul celeste muito suave. O decote “tomara que caia” lindamente adornado por aquele bordado delicado, em tons sobre tons de azul, que subia desde a barra - um ramo de pequenas flores, folhas e hastes de trigo, num mimo em canutilhos e miçangas, e terminava sobre uma delicada alça colocada sobre o ombro esquerdo. Aquela saia rodada, em organdi, dava leveza ao vestido de corpete longo e muito justo, que certamente emolduraria perfeitamente bem seu corpo agora esbelto. Feliz, tornou a dobrar a folha. Guardou-a, pensando se já não estaria na hora de ir com a costureira até a Rua 25 de Março para escolher os tecidos. Apanhou a bolsa e as luvas que estavam sobre a cama, despediu-se de sua mãe e saiu para encontrar-se com duas de suas colegas que faziam parte da comissão de formatura. Iam falar com o Maestro Sílvio Mazzuca. Afinal, num baile de sucesso dançava-se sempre ao som daquela maravilhosa orquestra.
Quando voltou, seu pai estava à sua espera. Precisava falar-lhe. Em sua fisionomia aquele ar constrangido que um observador mais atento nota no rosto de qualquer pai amoroso que precisa negar a um filho alguma coisa muito desejada, muita esperada, sempre sonhada... Não era homem de preâmbulos nem de meias palavras, por isso foi logo ao assunto. Sabia o que aquele baile significava para ela, sabia o quanto ela vinha sonhando com isso, uma vez que seria seu primeiro baile (já nem teria sua festa de debutante, tão ao gosto da época, não tinham recursos para isso) mas, infelizmente, ele não tinha condições financeiras para arcar com tantas despesas. E começou a enumerar os gastos: vestidos para a missa, colação de grau e baile, pagamento das parcelas para as solenidades, roupas para ele e para a mãe, sem contar o que seria gasto com os carros de aluguel (táxis) para ir e vir e o que se consumiria durante o baile, etc, etc... Além do mais, ela não teria sequer com quem dançar a valsa!... “Mas vou dançar com o senhor, pai!... E posso ainda pedir ao primo Carlos que dance comigo... ou convido um de nossos vizinhos, isso não seria problema...” Não, não seria realmente problema. Foi só mais um possível argumento que veio à cabeça daquele pai cujo coração, ao negar à filha a possibilidade do sonho realizado, estava muito mais apertado do que o dela. “Não, minha filha, infelizmente não pode ser. Entenda. Você já está uma moça... já pode entender essas coisas...” Dizendo isso, pegou o quepe que se encontrava no porta-chapéus, colocou-o na cabeça, curvou-se para beijar o rosto da filha, banhado em lágrimas, e saiu para o trabalho, enxugando, ele próprio, uma lágrima furtiva que teimava em rolar de seus olhos...

(Do livro: "Encontro com a menina que eu fui")