MEU TIO JOAO PIRES
Prendeu minhas pequenas mãos entre as suas, cobriu-me toda com a ternura de seu olhar e, como se tivesse adoçado sua voz com mel disse sorridente:
- Você sabe que lá em casa tem uma marrequinha que se chama Dulce?
- Tem, Tio? De Verdade? Pai, me leva lá pra ver?... Leva?
E ele então riu, feliz com minha admiração. Era uma homenagem que aquele homem de alma límpida, que trazia em si um imenso cabedal de amor, prestava a uma sobrinha que sempre lhe teve muito amor.
Era casado com minha tia Letícia, uma das irmãs de meu pai. E se queriam tanto que ele a chamava de Dona Rosa, minha rosa... Moravam numa casa muito acolhedora, entre árvores e flores, onde, num imenso quintal, criavam patos, galinhas, marrecos, uma coisa linda de se ver, e era uma festa para meu coração quando minha mãe dizia que no domingo iríamos passar o dia na Vila Maria. Ficava contando os dias. E se durante minha infância a alegria era correr pelo quintal ou saborear os deliciosos doces que minha tia preparava, mais tarde, quando moça, o melhor de tudo era sentar e ouvir meu tio falar sobre tantas coisas que ele sabia... Encantavam-me suas histórias, maravilhava-me sua cultura, olhava embevecida para sua biblioteca, tão bem cuidada, onde guardava seus tesouros: seus livros, seus companheiros inseparáveis. Cuidava das roseiras de seu jardim com esmero e quando da floração, colhia o primeiro botão entreaberto e, carinhosamente o ofertava a minha tia dizendo:
"Para D. Rosa, uma rosa,
colhida nesta manhã,
presente despretensioso
de pai e filho à irmã."
E esse delicado ritual repetia-se todos os anos. Tão lindo amor os unia!...
Meu tio, João Pires, ou simplesmente o Seu Pires, como era conhecido, nascera de mãe escrava, em uma fazenda no Município de Capivari e criara-se com o filho do patrão, que lhe permitiu estudos, preciosos para aquela época. Formou-se guarda-livros, profissão que sempre exerceu com competência. Criou seus quatro filhos com amor e viveu sempre cercado de bons e sinceros amigos. Sua espiritualidade era tão aguçada que estarmos com ele era sinônimo de estarmos em paz. Sua presença era doce e, no entanto marcante. Quando seu corpo físico nos deixou, já tinha mais de 80 maravilhosos anos vividos. Mas entre nós ainda permanece sua lembrança, décadas após sua partida. Ainda trago em meus ouvidos o som terno de sua voz contando historias e casos, trago ainda no fundo de minha retina a figura amiga, o olhar meigo, o sorriso calmo.
Há pessoas que não partem, apenas se transformam em lembranças, em saudades, deixando um exemplo de vida incontestável, um rastro de luz que vai sempre e sempre iluminando nossos caminhos.
Assim foi meu “Tio João Pires”...
(Do livro "Encontro com a menina que eu fui")
12 comentários:
" Lindo" este seu tio, Dulce.As pessoas não morrem na nossa lembrança, mas uns mais que outros permanecem para sempre no nosso coração...
Beijos
Lourdes,
é verdade, e esse meu tio era iluminado, mesmo.
beijos
Obrigada pela sua visita ao Abraço da Gaivota e pelas palavras que lá deixou. A foto é para si também.
Que bonita alma tinha esse seu tio. Que bom seria se houvesse muitos tios assim.
Beijos,
Maria Emilia
Maria Emilia,
sou eu quem agradece.
Seria mesmo bom, porque talvez assim o mundo fosse um pouquinho mais iluminado...
Beijos
QUERIDA DULCE, BELA CRÓNICA... GOSTEI MUITO... ABRAÇOS DE CARINHO,
FERNANDINHA
Fernandinha,
muito obrigada e abraços pra você também.
Que deliciosa crônica!
Que doces lembranças esse seu tio lhe proporciona...
Dulce, é muito bom poder seus relatos!!
bjs
Heli
Obrigada!
Esse meu tio foi um dos presentes lindos que a vida me deu.
Beijos
Obrigada Dulce pela suas palavras sobre o poema "O Mundo Precisa de Ti"
Deixei um desafio para si no meu blog.
Um beijinho,
Maria Emilia
Maria Emilia.
estou passando já, já, lá no seu blog para ver. Obrigada.
Beijinhos
Querida amiga,
o seu tio Pires era um Homem maravilhoso, tão maravilhoso que ainda hoje você o recorda e homenageia... ADOREIIIIIIIII!!!!
Beijinhos,
Ana Martins
Ana, obrigada.
Era sim, minha amiga. Ele era uma pessoa linda demais...
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