NAS NOITES DE SAO PEDRO
Minha tia Izabel, uma das irmãs de meu pai, morava numa casa bem espaçosa, no bairro do Belém. Ocupava a frente de um imenso terreno e era separada das outras pequenas casas que, alugadas, serviam para aumentar a renda da família. Além das casinhas de aluguel, mais para o fundo, havia uma área onde meu tio instalara sua carvoaria. Era um espaço grande, arborizado, aonde o carvão que vinha em grande quantidade era armazenado para ser ensacado e distribuído à freguesia. Acostumadas aos confortos do gás canalizado, quando basta girar o botão do fogão para que aquela chama maravilhosa apareça, as donas de casa de hoje estão longe de supor o que suas antepassadas passaram até chegar a esse conforto. E olhe que o carvão já era um progresso. Mas eu ainda me lembro de minha mãe juntando as cascas das laranjas que eram consumidas em casa, colocando-as para secar, porque era um excelente auxiliar na hora de acender o fogo.
Meus tios tinham uma vida muito dura, de muito trabalho; afinal, eram sete filhos para criar! Durante todo o ano era um corre-corre, um não mais acabar de preocupações, uma luta constante, mas ao chegar o mês de junho, aquela casa se transformava como que por encanto. É que começavam os preparativos para a festa de São Pedro, uma das tradições daquela família. A sala da casa era transformada numa alegre oficina onde meus primos se esmeravam na confecção das bandeirolas que enfeitariam o terreiro, o arraial em que se transformaria a carvoaria de meu tio, e de lindos, coloridos, imensos balões que iriam iluminar os céus de São Paulo. Por aquela época, soltar balões era uma prática costumeira. Ninguém sequer cogitava nos danos que as tochas acesas poderiam causar ao cair sobre casas ou florestas. Ecologia era uma palavra desconhecida, então.
Toda a família, todos os visinhos e amigos eram convidados para a festa, onde não faltavam os pinhões, a pipoca, as cocadas, o milho assado na brasa da fogueira junto com a batata doce, e nem poderia faltar aquele delicioso sanduíche de "aliche" que era uma das especialidades de minha tia, assim como o maravilhoso pudim de queijo. Sem falar no quentão que aquecia corpo e alma na noite muito fria da antiga São Paulo da Garoa.
Os fogos espocavam durante toda a noite e a música era feita ao vivo, por um conjunto regional que meu tio contratava para animar a festa. E ao som de músicas típicas, dançava-se até a madrugada, dança que era interrompida a cada hora para que todos pudessem acompanhar a subida do balão, que lá se ia entre aplausos: “balão dos meus sonhos dourados, todinho enfeitado, cheinho de luz...”
Lá para o fim da noite, as moças se reuniam para “tirar a sorte”. E eram tantas! Colocava-se água em um prato fundo, acendia-se uma vela e deixava-se a cera ir pingando sobre a água. A mão tinha que ficar parada. Os pingos da vela iam se agrupando e formando o que as meninas achavam ser a inicial do nome do rapaz com o qual se casariam. Ou então, tomava-se emprestado, a uma das senhoras casadas, uma aliança. Colocava-se água até a metade de um copo e, usando um fio de seu próprio cabelo para segurar a aliança, esta era colocada, pela moça, por sobre a água, sem tocar a superfície, porém. E como se fora um pêndulo, a aliança começava um ir e vir que ia aumentando, aumentando, até bater nas laterais do copo. O número de batidas seria o número de anos que faltavam para que ela se casasse. Havia ainda a sorte da clara de ovo na água, a dos papeizinhos com os nomes dos pretendentes, sem contar a da chave que seria colocada sob o travesseiro, na hora de dormir e que faria com que a menina sonhasse com seu futuro marido... Eram outros tempos, outros eram os sonhos e as aspirações. Tempos em que raras eram as mulheres das classes menos favorecidas que se atreviam a antever um futuro mais amplo, uma carreira, uma profissão. Mas eram também tempos de alegria, de riso solto, de música no ar, de descontração e cordialidade, tempos em que a insegurança não fazia sequer parte de nosso vocabulário. Tempos em que não se temia o futuro, vivia-se o presente com otimismo e respeitava-se o passado. Pelo menos era assim no seio de minha alegre e imensa família. Hoje, quase todos da velha geração e alguns da minha própria já se foram. Mas a cada noite de São Pedro, dentro de meu coração, todos voltam a se reunir e, entre danças e alegres brincadeiras, corremos para ver os balões subindo, os fogos de artifício iluminando a noite fria, e cada um dos meus entes queridos vem então até mim, me trazendo seu melhor sorriso, para que eu possa matar minhas saudades...
(Do livro "Encontro com a menina que eu fui")
4 comentários:
Em toda esta história fui me encontrando, também eu vivi tempos maravilhosos com a preparação da festa dos santos populares em Lisboa, "Portugal" ,onde os vizinhos se juntavam nos preparativos dos arcos e balões dos enfeites coloridos pendurados em fio da tendinha da comida onde cada vizinho fazia um petisco e oferecia aos meninos que vendiam na tendinha pois a receita revertuia sempre em favor do clube de futebol feito pelas crianças e servia para comprar os equipamentos, da fogueira feita no meio do terreno como era tradição da musica própria da epoca para dançar-mos noite fora.
Belos tempos
Boa Páscoa
Bel
Que alegres deviam ser as noites de S. Pedro! Que costumes tão engraçados! Eu habituei-me a festejar o Santo António. Também havia tradições, mas eu tinha ma família pequena a morar em Lisboa e só apreciava as brincadeiras a partir da janela de minha casa.
Beijinho e votos de uma santa Páscoa.
Bel
Sim, eram muito bons tempos aqueles. e que bom que os vivemos e hoje os recordamos com saudade.
Feliz Páscoa para você, também!
Beijinhos
Lourdes,
Por aqui, as pessoas se dividiam para festejar cada qual o santo de sua devoção, e o de minha tia era São Pedro. Ainda hoje acontecem grandes festejos aos Santos no interior do Nordeste no Brasil, principalmente São João. Nas cidades grandes essas festas praticamente perderam-se.
Beijinhos.
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