A QUERMESSE
Ao passar por um shopping center, atualmente, e vendo a movimentação dos jovens, indo e vindo, como quem não quer nada, circulando por entre luzes e cores e colorindo com sua alegria o próprio ambiente, ao vê-los nas mesas das praças de alimentação ou mesmo nos cinemas, não posso deixar de fazer uma comparação entre a forma como eles fazem seu “footing” hoje, e como o faziam os jovens de quatro ou cinco décadas atrás. Não posso deixar de me lembrar dos passeios pela avenida ou dos sábados e domingos à noite nas quermesses do mês de junho, como a de San Vito, por exemplo.
Uma tradição que permanece até hoje, a Igreja de San Vito, na região do Mercado, reunia seus fiéis e, com o intuído de arrecadar fundos para suas obras sociais, montavam uma quermesse. A rua era toda enfeitada com bandeirolas coloridas e barraquinhas eram montadas nas calçadas, nos dois lados da rua, ficando o leito carroçável livre pra o ir e vir dos freqüentadores, para que pudessem circular melhor. Havia comidas e bebidas, jogos e distrações e, principalmente, um serviço de radio para recados que eram trocados entre os jovens casais de namorados ou que serviam mesmo para um início de paquera. A música era oferecida com uma dedicatória, como: “João oferece a Maria, sua amada noiva, como prova de muito amor”, ou, “alguém oferece à jovem loirinha, de vestido azul, como prova de admiração” - aí então, a jovem loirinha passava a olhar com maior interesse em volta de si para tentar descobrir quem seria esse “alguém”, que muito raramente era o esperado - ou mesmo era usada como um pedido de perdão feito em público, por um namorado arrependido, “Antonio, arrependido, oferece a Marina, como prova de amor e um pedido de perdão”... Eram criaturas simples, de coração aberto, que não se envergonhavam de demonstrar publicamente seus sentimentos. Eram outros tempos... Outros costumes. Outros conceitos...
Famílias inteiras freqüentavam essas festas populares e divertiam-se realmente, tentando acertar o pato, para ganhar uma quinquilharia qualquer, no tiro ao alvo, jogando aros por sobre os gargalos das garrafas, na pescaria, enfim, em inocentes brincadeiras, tão ao gosto da gente simples de então ou se deliciando ao saborear uma pamonha ou um curau de milho verde, pipocas, paçocas, cocadas, cuscuz, pinhões cozidos, milho ou batata doce assados na brasa, sanduíches, além de várias especialidades italianas, feitas com orgulho pelas senhoras do bairro, sempre acompanhados por um delicioso quentão, que só era servido para os adultos, ou por refrigerantes, para as crianças.. E mesmo sob o olhar atento e vigilante do pai, mas contando com uma leve cumplicidade da mãe, as mocinhas arriscavam um “flerte” ou, usando um termo em moda hoje, uma paquerinha, essa deliciosa e inocente troca de olhares e de sorrisos velados, que colocava cor nos rostinhos mais tímidos e acelerava aqueles coraçõezinhos que se iniciavam nos jogos do amor, que despertavam para o sonho.
A maior parte das igrejas ainda continua montando suas quermesses, algumas das quais já fazem parte do calendário de eventos da cidade, se não oficialmente, pelo menos por tradição como a Festa de San Genaro, na Mooca, a de Nossa Senhora d’Aqueropita, na Bela Vista, ou de Nossa Senhora de Casalucce, no Brás, que apesar de serem festas concorridas, já não têm o encanto de outrora... Falta o clima de simplicidade, de espontaneidade, de sonho... Acho até que, e a bem da verdade devo dizer, faltam os sentimentos que preenchiam almas e corações simples das pessoas de antigamente...
(Do livro "Encontro com a menina que eu fui")
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