floquinhos

terça-feira, 14 de abril de 2009

CRONICAS DA VIDA



PAIXAO NO OUTONO DA VIDA


Paixão é sentimento arrebatador, que chega rompendo barreiras, pondo fogo no corpo e na alma, não pede licença nem conhece medidas, não tem idade nem preconceitos, não mede distâncias nem tempo. E quando resolve se instalar num pobre coração que transita pelo outono da vida, pode fazer estragos irreparáveis, pois tira do sério esse coração e faz dele um brinquedo, um boneco de pano que ao fim acaba jogado, desbotado, sem encantos, para o resto de seus dias...
E quem, em sã consciência, pode supor que depois dos sessenta ainda se tenha tanta ânsia, tanto desejo dentro de um corpo já desgastado pelos desencantos da vida? Esse pobre ser passa então a esconder seus anseios e seus sonhos mais profundos, mais lindos, sonhos que encantariam qualquer adolescente, porque teme ser ridicularizado pela sociedade que nega aos mais velhos todo e qualquer direito de amar, de ser amado, de viver plenamente e de ser feliz. Essa sociedade cruel que trata seus velhos como objetos descartáveis, como algo que devesse ser escondido no armário, pelo simples fato de já não terem mais o viço e a beleza tão passageiros da juventude.
E no entanto, ao transitarmos pelo outono da vida, a paixão acontece em toda a sua plenitude! Como entre os mais jovens, ela chega e toma conta de tudo. Os dias parecem novamente cheios de cores, de luzes, de musicalidade. O olhar volta a ser brilhante e o sorriso paira nos lábios. Tudo fica mais bonito, mais alegre... Vive-se então um período pleno, muito mais intenso, porque traz o gosto desesperado do último sonho, da última esperança, porque na maturidade tudo tem um outro sentido, um outro sabor, uma vez que nessa fase da vida nós nos agarramos com unhas e dentes àquilo que nos faz viver. E existe algo que desperte mais o sentimento de vida que a paixão?
Mas se a um homem maduro esse sentimento ainda é permitido, ou melhor, tolerado, o mesmo não ocorre quando se trata de nós, mulheres! Nós não temos reconhecido esse direito! Não nos podemos atrever a viver essa doce loucura chamada Paixão... Se inadvertidamente formos atingidas por ela, passamos a ser encaradas como ridículas criaturas, como velhinhas safadas e sem vergonha, como possíveis esclerosadas. Negam-nos o direito à vida, negando-nos o direito ao amor... Mas que sabem eles, os pobres jovens, da vida e do amor, da paixão e da dor que ela pode nos causar? Pensam que sabem... Apenas pensam, como nós já pensamos um dia...
Acontece, porém, que a alma amadurece sem envelhecer e o coração, quando inquieto, não percebendo a passagem do tempo, continua ansiando por incontidas emoções que o elevem num doce sonhar, às alturas de um amor sem fim, que o faça perceber luz entre as trevas, sol em meio à chuva, luar por sobre as águas em noite de tempestade, sons de anjos cantando em meio ao burburinho de uma multidão, paz incontida de uma ternura tão grande que possa transformar este mundo insano e cruel em um delicado jardim florido onde possam ser depositados todos os seus anseios.
Paixão que explode no outono de uma existência é fase ímpar na vida de quem, já longe do "glamour" da juventude, sequer suspeitaria poder ainda se sentir tão viva, tão plena, tão mulher. Passada essa fase de paixão, restam as doces lembranças do que poderia ainda ter sido... Lembranças, que acalentam o coração, apesar de tudo... Acalentam o coração, mas não diminuem o vazio que se instala então... Um vazio que dilacera, que permanece para sempre...

Dulce Costa
(São Paulo, maio de 2002)

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