A LUA DE NAPOLES
Foram tantas as histórias contadas e ouvidas em nossas noites lá no velho casarão, tantas... Algumas deixaram até bordões que eram usados por nós em determinadas situações como, por exemplo, quando meu pai queria uma explicação melhor ou mais detalhada de alguma coisa; ele abria um sorriso e soltava em bom e sonoro portunhol: “nosotros gostamos de las cosas claras... y de chocolate espesso...” Eram frases tiradas de casos reais, de coisas acontecidas em um determinado momento e que de tão pitorescas passavam a fazer parte do anedotário familiar. Não saberia dizer o que teria dado origem à “las cosas claras y el chocolate espesso”, nem mesmo a outras deliciosas frases como “las palanganas da comadre” ou mesmo “as melancias do Padre Inácio”, esta última tão conhecida a ponto de, numa noite de Sexta-feira Santa, quando a procissão do Senhor Morto, passando em frente ao condomínio onde moro, parou sob minha janela para o cântico da Verônica, meu irmão, com o filho pequeno nos braços apontou para a figura do padre que estava ao lado e disse: “olha filho, o padre que foi meu professor”, o menino saiu-se com essa: “Ah, o Padre Inácio? Mas, cadê as melancias dele”?
Nas noites em que se reuniam para um joguinho de buraco, algumas frases eram ditas em tom de desafio, como quando com uma seqüência quase completa na mão, hora de puxar outra carta do maço, meu pai olhava para o adversário e alisando a carta antes de pegá-la dizia: torce pra não ser um coringa, porque se vier a carta que eu estou pensando que é, “nem o Arigó te salva”. (Arigó era um médium poderoso que através de curas espirituais vinha salvando muita gente). Ou então, quando um deles demorava para se decidir sobre uma jogada, o adversário, no intuito de atrapalhar mesmo, saia-se com: “Chama o hélio... Héliioooooooooo... Olha o Hélio! A origem exata desta frase eu nunca cheguei a saber mas acredito que se referisse ao fato de o jogador ser tão lento que se chamassem o vizinho para ocupar o seu lugar, ele acabaria jogando antes mesmo do outro ter-se decidido e o jogo correria mais rapidamente...
Uma outra história que marcou lugar em nossa família foi a de um amigo de meu pai, um italiano que veio como imigrante, trabalhou duro e conseguiu vencer, chegando a ser um comerciante muito bem sucedido. Trazendo no fundo da alma seu amor pela terra que o vira nascer, achava que tudo o que lá ficara era muitíssimo melhor do que o seu correspondente daqui, inclusive as escolas e, sonhando com um futuro brilhante para seu único filho, mandou-o estudar na Itália. O rapaz foi-se deixando ficar por lá num não mais acabar de estudos, tudo isso explicadinho em cada carta que o pai orgulhoso dos progressos do filho recebia, carta essa que sempre terminava com um novo pedido de dinheiro, que era enviado prontamente porque “para ser doutor é preciso ser primeiro muito inteligente e isso seu filho era, depois era preciso não ter dó de gastar seu suado dinheirinho... afinal, ele dera duro a vida inteira, mas aquele dinheiro ganho com tanto esforço estava tendo uma finalidade nobre! Seu filho chegaria com o tão sonhado título de doutor... ah, que homem inteligente ele gerara! Seus amigos morreriam de inveja.”
Quando finalmente chegou o tempo do retorno do filho, o pai organizou uma verdadeira comitiva, muito festiva, para recebe-lo no Porto de Santos – por aquela época, as viagens intercontinentais eram freqüentemente feitas em navios, e os mais abastados faziam-na em luxuosos transatlânticos. O homem não cabia em si de tanta alegria e chorando desbragadamente abraçou-se ao filho balbuciando frases como “mio dotore”, mio bello dotore...” E emocionados, pai e filho, acompanhados por parentes e amigos em festa, subiram a serra e quando finalmente chegaram a São Paulo já era noite, uma linda noite, por sinal, onde um imenso luar se espalhava por sobre a cidade. Ao descerem do carro, nos jardins da casa, já rodeados pelos parentes e amigos que lá estavam para a recepção ao jovem doutor, meu pai entre eles, movido pelo entusiasmo e querendo talvez confirmar o que seu pai sempre afirmara sobre a superioridade da Itália sobre o Brasil, o doutor saiu-se com esta pérola, dita em tom de desdém: “Babá, ma la luna di Napoli é pio grande que a do Brasile!” Aquilo era demais até para um coração napolitano! Vendo em uma só frase o ruir de todos os seus sonhos, o desencantado pai, olhos arregalados, lívido de espanto levando a mão espalmada á testa, soltou como num urro desesperado a frase que ficaria como mais um dos jocosos bordões usados em nossa família : - Madona mia! ADDIO MIO SOLDI” !
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