floquinhos

terça-feira, 24 de março de 2009

A PUREZA DAS CRIANCAS


Estava, uma noite, no salão paroquial da Igreja de Sto. Antonio, em Everet (Massachusetts) aonde funciona um curso de português para filhos de imigrantes brasileiros, um trabalho muito bonito feito por professoras brasileiras residentes aqui, todas voluntárias, e aonde meus netos também vão sendo alfabetizados em português, dando a esses alunos uma pequena palestra sobre livros e literatura. Já havia falado sobre o quanto o hábito de ler torna melhor o ato de escrever, explicara como havia escrito minhas primeiras crônicas e o que me levara a publica-las, enveredei pela literatura infantil e contei de minha paixão, em meus verdes anos, por Monteiro Lobato, enfim, fui tentando passar para aquela garotada um pouco da minha paixão pelos livros e pela arte da escrita, e como se aproximava a hora de encerrar aquele gostoso encontro, abri espaço para perguntas, achando que crianças entre sete e quatorze anos não perderiam seu tempo com perguntas, apesar do silêncio que se fizera durante minha fala e das carinhas deles todas parecerem atentas. Por isso me surpreendi quando começaram a levantar os braços e colocando suas perguntas. Queriam saber com quantos anos comecei a escrever, com quantos anos li meu primeiro livro. Qual era o meu livro predileto? Como eu fazia para escrever? Um deles até perguntou se eu trabalhava em casa ou se precisava sair para escrever meu livro... E em meio a tantas perguntas um garotinho levantou a mão e eu pedi a ele que fizesse a pergunta, que eu não consegui entender, pedindo então a ele que a repetisse, e também não entendi, então pedi que falasse um pouquinho mais alto e ele olhou para mim com um olhar meio de pânico e, desta vez em voz alta, perguntou “posso ir ao banheiro?” Foi tão surpreendente que todo mundo começou a rir, e foi entre risos que disse a ele que claro que podia, e que fosse rapidinho antes que fosse tarde demais... E ele saiu correndo lá para o fundo da sala, voltando pouco depois já com uma carinha mais alegre e se incorporando ao grupo... Foi a nota pitoresca, alegre, descontraída de uma noite que para mim foi muito especial, por poder pelo menos tentar fazer algum daqueles meninos se interessar pelos caminhos da literatura e da poesia.
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(Dulce Costa / 06 de dezembro de 2008)

Esta crônica foi postada por primeira vez em dezembro passado, e hoje volta ao blog especialmente para Anine, que tem insentivado muito meus escritos. Obrigada, Anine.

2 comentários:

Lourdes disse...

Quantos episódios idênticos se passaram comigo, enquanto leccionava...Era professora do 1º ciclo e, quando recebia os meus alunos, ainda pertenciam à faixa etária da "pureza"
O título não podia ser melhor.
Um beijo grande por me ter feito regressar a esses tempos.

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Lourdes,
e esses momentos são encantadores, nâo? Eu adorei ter vivido isso.
Beijo grande pra você, também.