(Na foto, os "artistas" da familia, Os gêmeos Gonçalves" - eram gêmeos, sim - meus primos Zeca e Maneco, que alegravam as manhãs de meus aniversários)
No velho casarão, os sons que se perderam...
No velho casarão, os sons que se perderam...
Quando meus pais se casaram, foram morar com meus avós paternos porque eram tempos difíceis e as famílias se agrupavam para poderem sobreviver. Lembro-me com saudades do velho sobrado da Rua Campos Salles, no Brás, onde nasci, cresci e morei até o dia de meu casamento.
O imenso casarão fazia parte de um conjunto de casas alugadas à Cúria Metropolitana, que continua de pé, impávido, hoje frente à linha do Metrô, uma construção sólida, típica de uma época. Fecho meus olhos, apuro meus ouvidos e posso sentir cada canto, cada som de uma infância despreocupada, feliz. Os risos ainda ecoam nas salas de minha recordação, cada um deles trazendo de volta a fisionomia de um ser querido, quase todos já transformados em saudades...Meu pai, meus irmãos, meus tios, meu primo Rubens, todos saudades... Doces e doloridas saudades...
Éramos uma família alegre e em nossa casa sempre havia música no ar. As mulheres cantavam enquanto faziam suas tarefas domésticas, os homens gostavam de dedilhar um violão, além do rádio estar sempre ligado. Afinal, vivíamos a era do rádio... A televisão só viria anos depois e as novelas eram transmitidas pelo rádio. Além da Radio Nacional do Rio de Janeiro, só acessível para quem dispusesse de rádio de ondas curtas, havia a Rádio São Paulo que dedicava toda a sua programação às radio-novelas. Quem não se lembra do Teatro de Ivany Ribeiro? Ou do Encontro das cinco e meia? Das 8 horas da manhã, até as 10 da noite, só novelas, para todos os gostos, era só escolher. O Teatro de Manuel Durães, levado ao ar nas tardes de domingo, pela Rádio Record, onde uma história era passada em três atos, como no teatro... Além disso, havia os programas de auditório, incluindo um famoso programa de calouros, “A Hora da Peneira”, onde o candidato só se apresentava depois de passar por rigorosa seleção, o que dava aos ouvintes a chance de ouvirem boas e afinadas vozes. E, mesmo assim, havia os que eram gongados!
Jantávamos ao som de música sertaneja – afinal, a família tinha crescido nas fazendas de café e trouxera para a cidade grande, gostos, usos e costumes do campo. A música de Torres e Florêncio, ou de Tonico e Tinoco, fazia fundo para nossos bate-papos ao redor da enorme mesa de carvalho que ocupava o centro da ampla sala de jantar, enquanto saboreávamos um prato de deliciosa e fumegante sopa, sempre acompanhada por generosas fatias de pão. Tínhamos até uns primos, filhos do Tio Manuel, irmão mais velho do meu pai, que se aventuraram a formar uma dupla caipira – Os gêmeos Gonçalves. Chegaram até a gravar uns discos, sem muito sucesso, diga-se de passagem, mas uma das alegrias no início do dia de cada um de meus aniversários, quando menina, era ligar o rádio no programa em que eles cantavam e ouvir:
- “Hoje é um dia muito especiar lá na casa do tio Zé...”.
- “É memo, né? É o niversário da Dulcinha!”
- “Ói priminha, nóis ta mandando um abraço pro ce, viu? Parabéns”.
Aí eu me sentia toda importante!
Já na minha adolescência, as noites tinham outro som, lá em casa. À noite, depois das nove, o rádio abria espaço ao romantismo, transmitindo programas de uma hora, só de boleros ou só de tangos. Era então o momento de minha irmã e minha prima arredarem as cadeiras para um canto e treinarem uns passos de dança ao som de Gregório Barrios, Pedro Vargas, Trio Los Panchos, ou então dos velhos tangos de Gardel, Marianito Mores, Liberta Lamarque... E lá ficava eu admirando a leveza com que as duas volteavam pela sala ao som de músicas que me encantavam e que eu acompanhava cantarolando – costumo até hoje brincar dizendo que aprendi a falar espanhol cantando boleros em minha adolescência...
A música brasileira tinha seus ídolos, que eram aclamados em auditórios ou nos shows que eram levados ao público nos palcos de alguns cinemas, como o Piratininga, na Av. Rangel Pestana, que era imenso, em praças, ou mesmo em sacadas de clubes que davam para ruas que ficavam apinhadas de delirantes fãs. Orlando Silva era o “Cantor das Multidões” e Francisco Alves era o “Rei da Voz”. E havia as Irmãs Batista, Linda e Dircinha. E Marlene, “a que canta e dança diferente” disputando preferências com Emilinha Borba, “a minha, a sua, a nossa favorita”, que fingiam uma rivalidade para aguçar e acirrar os ânimos das fãs que quase se digladiavam nos auditórios, tentando provar que esta ou aquela era a melhor... E ambas eram maravilhosas...
Esses eram alguns dos sons de minha infância, de minha adolescência, sons que enchiam de alegria o velho casarão, que emolduravam sonhos, que refletiam usos e costumes de uma época já tão distante no tempo, mas tão presente em minhas lembranças.
Dulce Costa
Do livro “Encontro com a menina que eu fui”
(Na postagem abaixo, a foto do casarão/sobrado)
12 comentários:
Dulce
Sendo a minha realidade de partida, bastante diferente, recordei esses velhos tempos do pré televisão. As radiononelas, as rivalidades, fabricadas, entre artistas.
Recordo a minha galena (telefonia muito rudimentar, sem alimentação energética, como um grande fio, como antena exterior).
Recordar esses tempos é interessante, mas não se deseja que o tempo volte para trás.
Gostaria de convidar-te a passar à minha secção de poemas, própriamente, daniel milagre. Está lá um poema que dedicado ao Brasil em si, fala de amigos de SP. De São Paulo vem informação, que em grande parte tem ajudado a produzir adiafa filatelia. Tem link do Informativo FILATELIA 77, dos Correios de São Paulo.
De informação filatélica se trata.
Daniel
Daniel
Sempre voltamos no tempo através das lembranças. E são tantas!... E na medida em que vamos envelhecendo elas vão ficando mais agudas, porque vêm marcadas pelas saudades dos que nos foram caros. Mas a vida tem seu caminhar e devemos segui-lo sem ficarmos agarrados ao que se foi, para que possamos viver o presente sem desperdiça-lo.
Nossaaaaa que lindo... Acho e sempre achei sua escrita muito linda e muito bem feita... Muito obridaga por sempre ter uma palavra amiga, e saber quando eu preciso ouvi-la mesmo sem me conhecer.. Essa fase vai melhorar, nao sei quando mas sei que ele vai melhorar ou ir embora... vamos aguardar... Muito obrigada, anine
Oi passei para dizer que fico muito feliz com sua presença no meu blog... Muito obridada pelas lindas palavras
Anine
Sou eu quem agradece por ter um espaço aonde possa encontrar conhecimento em forma de literatura.
beijos
Anine,
Como sempre, muito gentil, sempre incentivando meus escritos, muito obrigada.
As palavras saem do coração, acredite. Tenho certeza que essa fase vai passar, talvez até muito antes do que espera, e a vida vai seguir seu curso. Sua força e coragem hão ajuda-la a vencer esse momento.
Beijos e obrigada.
As cores que reténs em tua alma
Entraram pelo coração
São luzeiros em céu nocturno
A força de uma oração
Vês com o sentir do sonho esquecido
Com mãos esculpindo o encanto
Às vezes elas ficam presas
Às águas que brotam do pranto
Boa semana
Mágico beijo
É curioso como, apesar da multiplicidade de diferenças naturais, se acabam por encontrar formas, olhares, gestos e hábitos semelhantes...
abraços!
Talvez porque as culturas sejam as mesmas, Talvez porque meus pais haviam trazido hábitos e costumes de além-mar, quem sabe? Naquele pedaço da cidade, naquela época, prevalecia a cultura européia, seus usos e seus costumes... talvez surgissem daí as semelhanças.
Um abraço.
Olá Dulce!
Mais uma vez me fez retroceder no tempo.Também em Portugal havia, no meu tempo de garota, uma competição cerrada entre artistas, ou antes, provocadas pelos seus grupos de fans.
Que engraçado é recordar!...
Ah, eram tempos tão mais fáceis de serem vividos, havia alegria no ar, e essas competições eram incriveis.
beijos
Profeta.
Lindos versos, obrigada.
E por um beijo mágico, que sempre traz paz...
bjs.
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