OS VINHAS
Não que a vida naquela aldeia de Trás-os-Montes fosse difícil, pelo contrário; ela vinha de uma família de recursos, tinha até um irmão que era padre - diziam até que tinha laços de família, distantes, é verdade mas, mesmo assim, eram laços, com o Cardeal Cerejeira! – mas, quando aquele amigo disse que viria para o Brasil ele sentiu aí a possibilidade de crescer, de progredir, talvez mesmo de enriquecer. Não precisariam passar pelas agruras tão comuns aos imigrantes que chegavam sem qualquer recurso e que tinham que se submeterem às regras ditadas pelos patrões, que nunca lhes eram favoráveis. Poderiam comprar umas terrinhas e partindo daí, começando de onde os outros imigrantes consideravam uma meta a ser atingida, certamente só teriam vitórias. Viriam, a princípio, para ficarem um ou dois anos. Se não desse certo, venderiam as terras e voltariam.
Assim pensando, venderam o que tinham por lá, separaram uma quantia suficiente para poderem começar uma nova vida no Brasil e o resto investiram em ações, seguindo os conselhos do irmão padre, que ficaria administrando os rendimentos para ela.
Por essa altura já tinham três filhos: Mário, Inês e Alice. Os avós das crianças não se conformavam em ficar longe dos netos e pediram que, visto estarem indo por um tempo relativamente curto, deixassem um dos pequenos com eles. Passado um ano ou dois, voltariam de qualquer foram, ou para visitar e matar saudades, ou para ficar, e então a criança voltaria para a companhia dos pais. Mário já era grandinho e certamente não se acostumaria sem os pais. Alice era ainda um bebê que requeria cuidados e a presença da mãe. Assim, a escolha recaiu sobre Inês, que ficou com os avós na distante aldeia de Saquóias.
João Manuel Vinhas e Ana Maria Rosa Pires Vinhas, estabeleceram-se num sítio no Bairro do Matão, então pertencente ao Município de Campinas, hoje Sumaré, e começaram a levar uma vida de trabalho e luta, na tentativa de realizar o sonho que os trouxera de tão longe, onde nasceram seus dois outros filhos, Arnaldo e Albino.. Foi quando receberam uma carta do Padre informando que ocorrera um incêndio terrível que destruíra completamente o banco onde estavam depositadas as ações e o dinheiro deles e que tudo fora consumido pelo fogo, que eles já não tinham mais nada em Portugal. Não sei se acreditaram e se conformaram ou se, sabendo que não teriam como confrontarem-se com o poder que emanava daquele irmão, foram se deixando ficar, sem tentar nenhuma solução.
E foram deixando ficar a filha lá distante, crescendo longe dos pais e sentindo crescer dentro de si a sensação de abandono. Com o falecimento dos avós, ficou sob os cuidados de uma tia que já não se preocupava com a formação escolar da criança, exigindo dela apenas a tarefa de pastorear as ovelhas no campo. Fez-se moça, sempre com o pensamento nos pais, em como seria feliz ao lado deles e dos irmãos; sequer os conhecia mas imaginava-se entre eles, na alegria do viver em família.
Teria uns 16 ou 17 anos quando soube que sua madrinha viria também para o Brasil e pediu-lhe que a trouxesse para junto dos pais. Assim foi feito, mas ao chegar sentiu que o sonho estava muito longe da realidade. Era uma estranha entre estranhos. Os pais não sabiam dispensar-lhe carinho, os irmãos faziam chacota de seu jeito de ser e de falar e somente na irmã encontrou amizade, compreensão, carinho, sentimentos que as une até hoje.
Era assim vazia e triste que se encontrava quando seus verdes olhos perderam-se nos firmes olhos castanhos de José. Era o homem sonhado, esperado. Finalmente o bem amado, o que completaria sua vida e lhe daria a família que ela nunca conseguira ter. E, mesmo contra a vontade do pai que não via nele o genro ideal, aceitou seu pedido de casamento, formando assim o lar que me receberia anos depois.
(Do livro "Encontro com a menina que eu fui")
8 comentários:
Ó Dulce, uma história triste a do início de vida da sua mãe, mas pelo menos conseguiu casar com o homem que amava.
Beijos
Mas, sabe,, Lourde, apesar de tudo de bom que aconteceu em sua vida dai pra frente, ela sempre conservou no fundo de sua alma a tristeza do seu começo... Mesmo quando estava feliz, havia uma pontinha de tristeza em seu olhar. Os pais, a familia, são de suma importância para a formação de uma pessoa.
beijos
Oi, Dulce;
Esta crónica de uma vida real é bela demais para ficar só num livro. Merece muito mais que isso.
Fico feliz de ver que a Dulce tem raízes transmontanas, uma das mais belas regiões de Portugal e que eu conheço bem visato ter por lá amigos e que visito com regularidade, principalmente em Chaves, Bragança, Vila Real, Mirandela e Alijó.
Gostaria de ler mais sobre essa história. Onde poderei encomendar o livro?
bjs
Osvaldo
Osvaldo
Obrigada por suas palavras. Obrigada, mesmo.
Esse livro foi impresso como um carinho que queria deixar aos meus descendentes, para que eles soubessem um pouco da história de luta de nossa familia, para que eles valorizassem o que a vida lhes desse, para que tenham consciência de que só começaram de um patamar melhor por que os que os prescederam pavimentaram seus caminhos. Então, não foi colocado a venda, mas sim oferecido aos amigos que o quisessem ler e terei muito prazer em enviar um exemplar para você, desde que me envie, por e-mail, claro, um endereço para onde possa manda-lo, pode ser em seu trabalho, uma caixa postal (apartado), aonde prefira.
É assim que esse livro, pequenino, mas muitos caro ao meu coração tem percorrido alguns lugares do mundo, o que tem me deixado muito feliz.
Em meu perfil, você encontra meu e-mail.
bjs.
Dulce
Continua muito interessante! Trás-Montes é uma província extremamente bela. Segundo creio, só figurará no livro devido a traços da árvore geneológica.
Seja como fôr, a avaliar pelos post's editados, o livro tem de ser bom.
Daniel
Daniel
Figura no livro e no coração, acredite. As lembranças que minha mãe carregava consigo acabaram fazendo parte de nós.
As crônicas que compõem o livro (são apenas 26), pretendo coloca-las, uma a cada dia, aqui no blog, para quem quiser continuar lendo. Assim divido minhas mais doces lembranças com meus amigos.
Obrigada por estar acompanhando estas crônicas.
Beijos
Dulce, que bom que pretendes colocar todas as crônicas que compõem seu livro para a nossa leitura!
Estou adorando conhecer a história da sua família acompanhando a cada dia as lembranças e fatos que marcaram a sua existência...
bjs
Obrigada, Heli.
Espero que gostem, porque para mim vai ser muito bom voltar a contar minhas pequenas histórias.
Beijos
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