floquinhos

sábado, 21 de março de 2009

CRONICAS DE MINHA INFANCIA (9)


UM ANIVERSARIO INESQUECIVEL

Quando meu irmão nasceu eu estava completando 10 anos e uma diferença de idade tão grande entre um filho e outro não deixa de ter seus inconvenientes, principalmente para a criança maior que sendo até aquele momento caçula, passa então a ser, como se costuma dizer brincando, em minha família, “sanduíche” – aquele recheinho insosso que fica pressionado entre duas fatias de pão... Mas ele sempre foi muito lindo e como todos na casa, perdi-me de amores pelo Walter, que cresceu apesar de todo carinho, um garoto tímido, de olhar triste, sempre um pouco distante.
Meu pai esperara quatorze anos por um filho e nunca escondera sua decepção por eu ter nascido mulher. Assim, não cabia em si de contentamento e, quando da chegada da data do primeiro aniversário de meu irmãozinho, resolveu comemorar com uma festa como nunca houvera antes em nossa casa. Mais que isso, resolveu comemorar os dois aniversários, já que o meu seria seis dias depois. E ao ver os preparativos, fui ficando cada dia mais animada e feliz imaginando o bolo, os doces, a presença das pessoas que eu queria bem... Imagine que até música ao vivo teria! Um dos amigos de meu pai era músico e tinha um filho que tocava acordeom – que por sinal é hoje presença constante na tv, mas que à época ainda andava de calças curtas – e que, convidado, não se fez de rogado e levou sua arte e sua alegria até nossa casa naquela noite enchendo de música o velho casarão. Era lindo demais ver pai e filho unidos num mesmo amor pela música, sorrisos a iluminar-lhes o rosto ao ver a alegria de todos nós...
Bem, todos nós não seria bem o termo porque meu pequeno coração estava bem tristinho, e tinha que fazer uma enorme força para não chorar.
Quando comecei a sonhar com aquela festa, ficava imaginando doces, bolo, música alegria, familiares queridos, claro que sim, mas imaginava também os presentes que receberia. Afinal, com tantos convidados, certamente receberia vários presentes e uma expectativa foi-se formando dentro de mim. Imaginava bonecas, roupas, alguma pulseirinha ou algum anelzinho, objetos que agradam sempre a uma menina na pré-adolescência... E tudo não estava exatamente como o esperado, o sonhado? Não! Tudo não!... Pelo menos para mim, não estava mesmo... Os convidados iam chegando, um a um, trazendo sempre nas mãos uma lembrancinha para... o menino!... E a cada novo convidado a menininha pensava: “não faz mal, o próximo vai trazer uma lembrancinha pra mim, nem que seja um lápis... afinal, eu também sou aniversariante...” – e o próximo chegava com uma lembrancinha sim, mas para o menino... E a música, os doces, o bolo, tudo enfim foi ficando sem cor, sem gosto, uma tristeza só...
Lá pelas nove da noite, já frustradas todas as expectativas, vi chegar minha tia Izabel, uma das irmãs de meu pai, mulher lutadora, de olhar firme e sorriso doce, voz mansa que, em companhia do marido, Ítalo, e dos cinco filhos (ainda nasceriam mais dois) chegava com alarido e alegria, sobraçando um enorme pacote, um presente para o Waltinho, que era seu afilhado. Coração apertadinho, lágrimas teimosas a querer fugir dos olhos, fui me esgueirando em direção ao meu quarto quando ela me chamou:
- Hei, Doçura, onde é que você vai? Não dá um beijo na tia? Vem cá minha lindeza...
Corri para abraçá-la e já ia me afastando quando ela me segurou pela mão e me entregou um lindo pacote enfeitado por um laçarote, dizendo:
- Não quer seu presente de aniversário?”“.
Rosto iluminado, sorriso aberto, abracei minha tia com gratidão. Afinal, alguém se importara comigo, se lembrara de que eu existia, minha tia salvara minha noite. Corri para o meu quarto para abrir o pacote. Era uma bolsinha vermelha, retangular, que à luz do tempo parece-me mais um estojo escolar e, dentro dele, uma nota de cinco cruzeiros (a moeda válida na época). Intrigada com meu comportamento, minha tia veio atrás de mim e, entreabrindo a porta do quarto perguntou:
- Está tudo bem com você, minha lindeza? Está chorando? Não gostou do presente?
Abracei-a com força e entre lágrimas só consegui responder:
- Gostei demais tia! Foi o presente mais bonito que ganhei na minha vida...
Passaram-se tanto e tantos aniversários, ganhei tantos e tantos presentes, singelos uns, valiosos outros, mas nenhum, nenhum mesmo capaz de igualar-se em valor ou beleza àquela simples bolsinha vermelha oferecida com muito carinho por minha doce tia e recebida por mim com tanto amor, no meu décimo-primeiro aniversário.

(Do livro "Encontro com a menina que eu fui")

10 comentários:

Anônimo disse...

Uma linda história da sua adolescência... e da qual fiquei completamente rendida pela maneira como a descreveu.

Senti a nostalgia e o amor no ar.

Mas há sempre algo que nos deixa marcados... como esse seu lindo presente de aniversário... tão simples, mas com tanto significado.

Uma boa semana para si, minha querida Dulce.

Beijinhos.

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Maria,
Acho que foi o presente mais importante que recebi durante os primeiros anos de minha vida, e sem dúvida, inesquecível.
Boa semana para você também.
Beijinhos

Osvaldo disse...

Oi, Dulce;

Caramba,... como as recordações nos fazem voar no tempo e no espaço.
Eu nem sequer recordo o meu primeiro presente de aniversário, porque os tempos eram dificeis, mas recordo um especial quando fiz oito anos e de volta da escola olhei pra minha mãe e disse;
"Mãe, hoje eu faço anos...", e ela respondeu, apertando-me contra seu peito;
"Eu sei, meu filho, como me poderia esquecer ?!..." e com uma lágrima que molhava seus lábios deu-me um longo e terno beijo, como presente de aniversário... Foi o melhor e mais valioso presente que recebi em minha vida...

bjs, Dulce
Osvaldo

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Osvaldo
Fiquei comovida com esse seu momento/presente... Que recordação mais doce!... que presente mais lindo!... Obrigada, de coração, por dividi-lo coosco.

beijos

vida de vidro disse...

Revi-me um pouco nas suas palavras. Tanbém tenho um irmão sete anos mais novo e entendo essa mescla de amor e mágoa. Gostei muito de ler. **

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Vida de vidro, obrigada.
Obrigada também pela visita e volte sempre.
Um abraço

Anônimo disse...

Não consigo imainar a mágoa que sentiu Dulce, pois sou filha única. Mas bem lá no fundo, há algo que me impele a levar uma "prendinha" para os irmãos das crianças aniversariantes, quando vou às suas festinhas.

Beijos,

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Pois é, Lourdes, mas era meu aniversário também... imagine isso na cabecinha de uma menina de onze anos... Hoje, as crianças de onze anos são já mais amadurecidas do que éramos nós, naqueles tempos... Parece que custavamos mais a crescer, a entender a vida.

Bjs.

Daniel Costa disse...

Maria

O prazer de ler este "retalho" de vida foi tal, que me emocionei, pelo nível revelado. Por pensar que tendo tido sete irmãos(os que conheci e privei), sou o mais velho e entre mim e a mais nova haver diferença de 14 anos.
Havendo também similidades.
Objectivamente, encantado!
Daniel

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Obrigada, Daniel,
saber que minhas memórias agradam e comovem, me deixa feliz e me emociona também. Muitissimo obrigada.
bjs.