O CINEMA IDEAL
Meu filho telefonou lá pra casa perguntando se queríamos ir com ele e a Marta ao cinema, para ver O Gladiador. Estavam indo a um dos cinemas do Shopping Vila Lobos, que eu ainda não conhecia (nem o shopping, quanto mais o cinema!), o filme parecia bom, o que tornava o convite irrecusável, além da companhia, claro.
Ao entrarmos no hall, eles foram comprar pipocas e refrigerantes, o que já me deixou surpresa, surpresa essa que ia aumentando na medida em que percebia o tamanho do pacote de pipocas e do copo de refrigerante, que todo mundo comprava, e ainda mais: as poltronas da sala de exibição tinham até um lugar para o encaixe do copo! Guardadas as diferenças do conforto, era como se estivesse de novo num cinema de minha infância, no Cine Ideal, lá na Rua Piratininga, numa daquelas inesquecíveis tardes de domingo, quando levávamos até lanche para enfrentar a alegre maratona de filmes.
Ah, as tardes de domingo da minha infância! Depois de um almoço sempre especial, era aquela correria para chegar cedo ao cinema, afinal, o bom era sentar bem na frente, para ver o filme bem de perto, torcer pelo mocinho e odiar o bandido do seriado, rir com os desenhos animados que abriam a seção, suspirar pelo galã do filme principal. Primeiro vinha o jornal da semana – quem não se lembra do Primo Carbonari, do Jean Manzon? - depois os desenhos animados; aí entrava um filme que geralmente era de má qualidade mas ninguém se importava com isso porque, após um intervalo de 15 minutos que aproveitávamos para ir ao “toillet” ou então para comprar balas, vinha o melhor da festa: o seriado, seguido pelo filme principal, aquele que arrancava lágrimas das meninas maiores, já com as cabecinhas cheias de sonhos e provocava caçoada por parte dos garotos, sempre muito engraçadinhos na pré-adolescência e na adolescência propriamente dita, estejamos nos anos 50, 60, ou em 2000. A alma humana parece ser imutável...
As segundas à noite havia a “soirée” das moças. Já era uma tradição ir ao Ideal nas noites de Segunda-feira. Mulheres pagavam só meia entrada e, por isso mesmo, as senhoras que nunca podiam sair sozinhas de casa, sob pena de ficarem “faladas”, aproveitavam a desculpa de levar as filhas e lá se iam todas emperequetadas, de braços dados, para molhar seus bordados lencinhos com lágrimas que derramavam pela heroína que muitas vezes personificava seus sonhos já desfeitos, enquanto que as moças iam exatamente perseguindo o sonho de encontrar entre os rapazes que lotavam metade do cinema, seu príncipe encantado. Rapazes na soirée das moças? Claro que sim! E eles iam perder uma chance dessas? Tanta mulher junta? Pois sim!
Lá estavam eles, os galãs do bairro, engravatados, como era obrigatório na época, cabelos devidamente glostorados, os mais “refinados” recendendo a English Lavander de Atkinsons... Irresistíveis! E a elegância das senhoritas? Ah, era um esmero!... Sapatos de saltos altos, sempre combinando com a bolsa e, claro, com a roupa, que era de “sair”, como se costumava dizer. Os chapéus femininos já estavam em desuso mas as meias de nylon eram obrigatórias (e ainda com aquela risca da costura que devia estar reta, exatamente no meio da perna, uma elegância!...) e luvas, sim, luvas... Eu mesma tinha vários pares, e as usaria anos depois, até para ir e vir do trabalho, não calçadas mas seguras junto à bolsa, que geralmente era em forma de carteira...
Parafraseando Caetano, a “deselegância discreta” daquelas meninas era algo até bonito de se notar. Percebia-se a preocupação com os detalhes, o cuidado com a aparência. Afinal, ir ao cinema era um programão para os padrões sociais e econômicos dos habitantes dos bairros operários que sequer poderiam sonhar com um teatro. Quer dizer, sonhar, sonhavam... Eram tão simples os sonhos de então! Eram tão aparentemente felizes aquelas pessoas em sua simplicidade, em seus parcos recursos! Precisavam de tão pouco para se sentir felizes!
Ao caminhar pelas ruas de minha infância ia captando sons e vozes que enchiam as tardes. Mulheres que cantavam enquanto cuidavam dos afazeres domésticos, homens que assobiavam enquanto iam e vinham do trabalho, músicas que vinham dos rádios ligados em quase todas as casas, gritos e risos de crianças que, felizes e soltas corriam e brincavam pelas ruas... Sons e lembranças de um tempo feliz que não volta mais... Sons e lembranças que tornaram a invadir meu coração, arrancados lá do fundinho do meu baú de memórias por um pacotão de pipocas e um enorme copo de refrigerante comprados num cinema de um sofisticado shopping center, numa tarde de domingo.
(Do livro "Encontro com a menina que eu fui")
Ao entrarmos no hall, eles foram comprar pipocas e refrigerantes, o que já me deixou surpresa, surpresa essa que ia aumentando na medida em que percebia o tamanho do pacote de pipocas e do copo de refrigerante, que todo mundo comprava, e ainda mais: as poltronas da sala de exibição tinham até um lugar para o encaixe do copo! Guardadas as diferenças do conforto, era como se estivesse de novo num cinema de minha infância, no Cine Ideal, lá na Rua Piratininga, numa daquelas inesquecíveis tardes de domingo, quando levávamos até lanche para enfrentar a alegre maratona de filmes.
Ah, as tardes de domingo da minha infância! Depois de um almoço sempre especial, era aquela correria para chegar cedo ao cinema, afinal, o bom era sentar bem na frente, para ver o filme bem de perto, torcer pelo mocinho e odiar o bandido do seriado, rir com os desenhos animados que abriam a seção, suspirar pelo galã do filme principal. Primeiro vinha o jornal da semana – quem não se lembra do Primo Carbonari, do Jean Manzon? - depois os desenhos animados; aí entrava um filme que geralmente era de má qualidade mas ninguém se importava com isso porque, após um intervalo de 15 minutos que aproveitávamos para ir ao “toillet” ou então para comprar balas, vinha o melhor da festa: o seriado, seguido pelo filme principal, aquele que arrancava lágrimas das meninas maiores, já com as cabecinhas cheias de sonhos e provocava caçoada por parte dos garotos, sempre muito engraçadinhos na pré-adolescência e na adolescência propriamente dita, estejamos nos anos 50, 60, ou em 2000. A alma humana parece ser imutável...
As segundas à noite havia a “soirée” das moças. Já era uma tradição ir ao Ideal nas noites de Segunda-feira. Mulheres pagavam só meia entrada e, por isso mesmo, as senhoras que nunca podiam sair sozinhas de casa, sob pena de ficarem “faladas”, aproveitavam a desculpa de levar as filhas e lá se iam todas emperequetadas, de braços dados, para molhar seus bordados lencinhos com lágrimas que derramavam pela heroína que muitas vezes personificava seus sonhos já desfeitos, enquanto que as moças iam exatamente perseguindo o sonho de encontrar entre os rapazes que lotavam metade do cinema, seu príncipe encantado. Rapazes na soirée das moças? Claro que sim! E eles iam perder uma chance dessas? Tanta mulher junta? Pois sim!
Lá estavam eles, os galãs do bairro, engravatados, como era obrigatório na época, cabelos devidamente glostorados, os mais “refinados” recendendo a English Lavander de Atkinsons... Irresistíveis! E a elegância das senhoritas? Ah, era um esmero!... Sapatos de saltos altos, sempre combinando com a bolsa e, claro, com a roupa, que era de “sair”, como se costumava dizer. Os chapéus femininos já estavam em desuso mas as meias de nylon eram obrigatórias (e ainda com aquela risca da costura que devia estar reta, exatamente no meio da perna, uma elegância!...) e luvas, sim, luvas... Eu mesma tinha vários pares, e as usaria anos depois, até para ir e vir do trabalho, não calçadas mas seguras junto à bolsa, que geralmente era em forma de carteira...
Parafraseando Caetano, a “deselegância discreta” daquelas meninas era algo até bonito de se notar. Percebia-se a preocupação com os detalhes, o cuidado com a aparência. Afinal, ir ao cinema era um programão para os padrões sociais e econômicos dos habitantes dos bairros operários que sequer poderiam sonhar com um teatro. Quer dizer, sonhar, sonhavam... Eram tão simples os sonhos de então! Eram tão aparentemente felizes aquelas pessoas em sua simplicidade, em seus parcos recursos! Precisavam de tão pouco para se sentir felizes!
Ao caminhar pelas ruas de minha infância ia captando sons e vozes que enchiam as tardes. Mulheres que cantavam enquanto cuidavam dos afazeres domésticos, homens que assobiavam enquanto iam e vinham do trabalho, músicas que vinham dos rádios ligados em quase todas as casas, gritos e risos de crianças que, felizes e soltas corriam e brincavam pelas ruas... Sons e lembranças de um tempo feliz que não volta mais... Sons e lembranças que tornaram a invadir meu coração, arrancados lá do fundinho do meu baú de memórias por um pacotão de pipocas e um enorme copo de refrigerante comprados num cinema de um sofisticado shopping center, numa tarde de domingo.
(Do livro "Encontro com a menina que eu fui")
2 comentários:
Bons tempos! Inesquecíveis anos dourados. Mas não tinha os atuais sacos de pipoca gigante, os baldes de Coca Cola, era só um drops Dulcora, ou Mentex, um saquinho de amendoim, um chiclete de bola. Primo Carbonari, Jean Manzon, CANAL 100... muito bem lembrado (estão no youtube). Lembrei de "ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE", mais de 3 horas de projeção, James Dean, Rock Hudson e Elizabeth Taylor. Boa viagem no tempo. ney/
Ney
Esse foi um filme incrível. Acabei comprando o DVD dele para assistir sempre. Porque filme, pra mim, é quase como música: quando gosto assisto... assisto... assisto de novo... rs... Acho que já comentei isso com você.
bjs.
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