floquinhos

terça-feira, 17 de março de 2009

CRONICAS DE MINHA INFANCIA (5)



OS DOCES PREGOES DE MINHA INFANCIA

Nos dias agitados que enfrentamos atualmente, não nos sobra muito tempo para as compras de supermercado, que são feitas semanalmente ou mensalmente, de acordo com a disponibilidade da mulher moderna e atuante, mulher que hoje divide seus dias entre a casa, a família, o trabalho, a carreira. Há as que, como eu, fazem a maioria de suas compras pela internet, evitando assim uma perda enorme de tempo tanto nas filas do caixa quanto nos constantes congestionamentos da cidade. Mas claro que as coisas nem sempre foram assim. E nem preciso ir aos tempos de minha avó, ou mesmo de minha mãe, para buscar as diferenças. Eu mesma, nos primeiros anos de minha vida como dona de casa, tinha por hábito, além das feiras livres, a compra de produtos hortifrutigranjeiros em carrinhos de ambulantes. Era o verdureiro, era o peixeiro...
Mas recuando para os dias de minha infância, encontramos histórias bastante interessantes ligadas a esses personagens de nossa vida diária já que quase tudo era vendido de porta em porta, numa variedade de sons e pregões que enriqueciam nossas manhãs, coloriam nossas tardes e alegravam nossos começos de noite.
Pela manhã, logo cedo, ouvia-se o pregão do vendedor de peixes que chegava empurrando seu carrinho de mão onde, em tabuleiros, exibia geralmente sardinhas e pescadas frescas, tainhas e até mesmo peixe-espada, conservados por pedaços de gelo partido, distribuídos cuidadosamente entre eles.. As mulheres atendiam ao seu chamado e, enquanto escolhiam seu peixe, aproveitavam para fazer alguns comentários, nem sempre muito favoráveis, sobre a vida alheia.
Um pouco mais tarde, era a vez do “bucheiro”. Esse devia ser um pouco mais abastado já que oferecia seus produtos, geralmente miúdos de boi (fígado, miolo, rins, bucho), em uma carrocinha fechada, que era puxada por um cavalo meio magro, castanho, com olhar triste, que ficava impassível aguardando a ordem de seu dono para se por a andar novamente e parar em outra esquina, à espera da freguesia.
Verdureiros eram mais numerosos. Dois ou três, em horários diferentes, empurrando também suas carrocinhas repletas de verduras, legumes e frutas frescas, bonitas, sem traços de agrotóxicos, variando seus produtos de acordo com o dia da semana, para que as compradoras pudessem variar seus cardápios.
Mas, se pela manhã esses vendedores vinham para suprir as necessidades das donas de casa, a parte da tarde era a alegria da garotada. Lá pelas 3 horas, começava um desfile de tentadoras guloseimas com a passagem da carrocinha do algodão doce. Lindo, branquinho, como se fosse um punhado de nuvens, enorme, que quando levado à boca derretia-se em dulcíssimo sabor de açúcar puro, lambuzando mãos e rosto da criançada, um encanto!
Depois era a vez do “quebra-queixo”, assim chamado pela consistência. E nem me perguntem que gosto tinha. Tinha gosto de infância, de brincadeiras de rua, de liberdade... E vinha então o biju, vendido em uma espécie de tambor pequeno, de folha de flandres, em cuja tampa estavam vários números, de 0 a 10, colocados em roda, com um ponteiro no centro que era manualmente girado pela criança ao comprar o doce. O número que o ponteiro marcasse ao parar seria a quantidade de biju oferecido como brinde. O mais interessante é que nunca ninguém conseguia fazer esse ponteiro passar do número 2! Geralmente parava no zero, com um suspiro triste da criança e um bondoso sorriso do vendedor que garantia que da próxima vez a sorte seria melhor...
Mas a figura marcante das tardes era um homem alto, forte, sorriso largo, cabelos brancos, bastos, emoldurando um rosto corado, sem rugas, vestindo uma jaqueta imaculadamente branca, como o quepezinho que trazia sempre na cabeça, carregando um tabuleiro seguro por uma larga correia que lhe passava por sobre os ombros, tabuleiro esse forrado por alvíssimas toalhas brancas, que também cobriam o produto de nossa predileção. E ao ouvir o pregão, a criançada corria a pedir dinheiro às mães, que quase nunca negavam, uma vez que elas também se deliciavam com o maravilhoso doce feito em forma de um generoso canudo de massa folhada, recheado com cremes de baunilha ou chocolate, ao gosto do freguês, e salpicado com uma delicada camada de açúcar. Eram as “línguas de sogra”... Deliciosas... A delicada massa e o saboroso creme faziam uma combinação fantástica, com gosto de quero mais...

Havia ainda outros esporádicos vendedores mas a festa de paladares só se encerrava lá pelas 7 ou 8 horas da noite quando ouvíamos o fom... fom... fom... que anunciava a chegada do pipoqueiro. E era uma alegria chegar antes da pipoca estar pronta, acompanhar todo o ritual da preparação, ver o milho estourar em lindas e alvas pipocas que eram colocadas num saquinho de papel, salpicadas com pouco ou bastante sal, conforme se pedisse e saboreada entre um alegre bate-papo de fim de noite, em rodinhas de moças sentadas nas soleiras das portas, ou de rapazes colocados junto à porta do bar da esquina, à espera de uma chance de paquera, ou ainda por alegres e barulhentas crianças, entre risos e brincadeiras que se estendiam até por volta das 9 horas quando todos se recolhiam às suas casas, para uma merecida noite de sono.

Sons de minha infância, doces paladares que adoçaram os verdes anos de minha vida.


(Do livro "Encontro com a menina que eu fui")

8 comentários:

susana disse...

Eu gostava quando a minha mãe fazia marmelada e geleia caseira! Ficava um cheirinho delicioso lá em casa! As vezes tenho saudades desses tempos.

heli disse...

Maravilhoso Dulce.
Você nos encanta com suas crônicas e nos faz lembrar dos nossos tempos de criança, onde tudo era encanto, beleza e magia.
Minha infância foi muito diferente da sua, pois fui criada numa fazenda nas proximidades de Curitiba, mas minha mãe sempre permitia que eu ficasse na casa da minha madrinha que morava "na cidade" e lá eu curtia também as delícias dessas vendas nas ruas e me deliciava com elas.
Pois é, as delícias da infância da Dulce estão sendo lidas com muito carinho e mais uma vez obrigada pela postagem maravilhosa.
Bjs
heli

Anônimo disse...

Também cresci ao som dos pregões.Vivendo a minha infância num dos bairros históricos de Lisboa, acordava ao som dos vendedores ambulantes. Hoje em dia já poucos existem, mas aqui onde vivo nos arredores, de vez em quando ainda aparece o amolador, que com o seu toque característico me leva a racoradar os meus tempos de menina e moça.
Mais uma vez, adorei a sua crónica.

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Heli,
sou eu quem agradece. Sua presença, sua gentileza, seus comentários.
E imagino que crescendo numa fazenda, você também tenha muits história para contar... confesso que fico curiosa... rs
Obrigada.
bjs

ney disse...

Apetitosa essa crônica de hoje, as lindas frutas da imagem, as pipocas parecem saltar do texto, dá para ouvir o fom... fom da carrocinha (triciclo) do pipoqueiro, o algodão doce envolvendo nosso paladar. Ah, o quebra queixo, coitado de quem tinha dentadura, o jeito era ficar olhando (rs)... deliciosa viagem no tempo.
Aqui na minha rua ainda passa o amolador de facas e tesouras tocando suas músicas com a lâmina de ferro no esmeril; no morro próximo o fom fom do padeiro anunciando a chegada do pão quentinho; não faz muito tempo o verdureiro com suas mulas e balaios; as quitandas ainda são dos portugueses, as padarias dos espanhóis, e alguns jornaleiros italianos; a feira ainda é uma gritaria de preços, mas bem menores; nas portas dos colégios os vendedores de churros, pipocas e guloseimas resistem aos fiscais da prefeitura.
Mas as ruas de antigamente eram mais alegres e seguras, de um encanto como a beleza dessa crônica que nos tráz tão gostosas recordações. Parabéns! Bons tempos! ney/

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Lourdes
Ah, sim, o amolador de facas! Ainda outro dia, num blog ai mesmo de Lisboa, li sobre esses profissionais que estão quase em extinção, mas que prestaram, e prestam ainda, em algumas regiões, um ótimo e necessário serviço. Falo dele, do guardachuveiro, do vidraceiro, em uma das próximas crônicas...
Obrigada e uma boa tarde pra você.
beijos

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Ah, Ney, você é um privilegiado! Ainda tem um lugar assim agradável, ainda vai à quitanda, conversar com o verdureiro, na padaria ainda é atendido pelo dono - só um adendo, as padarias, aqui em São Paulo, são tradicionalmente de portugueses - enfim, as coisas ainda não são tão impessoais... que bom...
Obrigada por suas palavras, por sua presença.
beijos

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Missixty,
São adoráveis essas lembranças de nossas mães preparando guloseimas para nos adoçar ainda mais a vida... Minha mãe fazia um arroz-doce, receita que trouxera de Portugal, de regalar o paladar e a vida...