floquinhos

domingo, 22 de março de 2009

CRONICAS DE MINHA INFANCIA (10)


NAS MARGENS DO RIO TIETE

O Rio Tietê já foi rota de bandeirantes e é ate hoje, lá pelo interior do estado de São Paulo, em alguns trechos, um rio navegável mas, quem o vê tão poluído aqui na Capital, sequer supõe o quanto era bonito, cheio de vida, até algumas décadas atrás.
Quem, ao trafegar pelas suas vias marginais, olhando para aquelas águas barrentas, sujas, cheias de óleo e de detritos, não se surpreenderia ao ouvir histórias de pescarias passadas às suas margens? Quando digo a meus netos que já pesquei no Rio Tietê eles me olham incrédulos, como se eu lhes estivesse falando de um conto de Fadas, no entanto tenho em minha memória tantas lembranças...
Meu pai e meus tios, por terem crescido numa fazenda de café, sempre mantiveram o gosto pelas coisas do campo, entre elas a pesca e não era raro vê-los sair nas tardes de sábado rumo ao Tietê, lá no trecho da Vila Guilherme, para algumas horas descontraídas em suas margens, de onde voltavam sempre com alguns lambaris, traíras, bagres, que faziam a alegria da garotada no almoço do dia seguinte.
Não sei bem porque mas o fato é que um dia meu pai resolveu levar minha irmã e eu para uma pescaria o que nos deixou empolgadas. Minha irmã, Elza, era uma adolescente muito bonita, beleza que a acompanhou por toda sua curta vida, enquanto que eu, quatro anos mais nova, era ainda uma garotinha desengonçada, um tanto arredia; assim fazíamos contraste naquela tarde tão diferente que meu pai nos proporcionava, ela já com um certo “glamour”, fazendo do simples chapéu de palha que lhe cobria os cacheados cabelos um elemento a mais para realçar a beleza de seu rosto, enquanto que meu chapeuzinho só servia mesmo era para me proteger do sol... E lá fomos nós, levando nas mãos um cestinho onde deveríamos colocar os peixes que conseguíssemos pegar, meu pai carregando as varas, as iscas, anzóis, enfim, toda a parafernália necessária. Descemos a Rua Piratininga e fomos ate a Rangel Pestana onde tomamos o bonde “Vila Maria”, que nos levaria até as proximidades do local que meu pai, com sua experiência de freqüentador assíduo, achava ser o melhor.
Quando chegamos já havia algumas pessoas pescando. Nós nos acomodamos também e, ouvindo atenciosamente as instruções de meu pai, senti-me como se já fosse uma profissional da pesca, tal o entusiasmo que me invadia. Já minha irmã tinha suas atenções voltadas mais para a margem do que para o rio, uma vez que notara, e fora notada, ao chegar, um rapaz que pacientemente deixava-se ficar a espera de que um peixe fisgasse sua isca... Meu pai, zeloso, percebeu logo a troca de olhares e colocou-se em posição de vigia... A sorte de principiante me acompanhava e, um após outro, fui colocando peixes na minha cestinha, enquanto que minha irmã não conseguia nada além dos olhares furtivos do jovem pescador. Num determinado momento, ela sentiu um puxão na linha e gritou por meu pai, para que viesse ajuda-la mas nesse momento ele estava justamente retirando mais um peixinho do meu anzol e viu, contrariado, o rapaz levantar-se dum pulo e correr para o lada de minha irmã, querendo aproveitar a chance para uma aproximação, achando que meu pai baixara a guarda, enquanto dizia:
- Pode estar, senhor, eu ajudo a moça...
Ao que meu pai, pondo-se em pé, rosto contraído, bradou:
- Alto lá rapaz, das minhas filhas cuido eu! Ponha-se ao largo ou eu o jogo no rio...”
E era tal a força da voz de autoridade que emanava dele que o rapaz estancou, lívido, olhos arregalados, balbuciando um pedido de desculpas pela intromissão, enquanto meu pai, com gestos rápidos retirava o peixe do anzol mandando que juntássemos nossas coisas porque a pescaria estava acabada.
Atitude semelhante vi-o tomar para me “defender”, anos mais tarde, quando voltávamos de umas férias em um rancho de pesca que ele mantinha em Piaçagüera. Estávamos no trem de volta para São Paulo, ele e minha mãe sentados em um dos bancos e, por estar lotado, meu irmãozinho e eu na parte posterior, em pé, junto a outras pessoas, quando dei com dois enigmáticos olhos cinzas postos em mim. Não saberia dizer se o dono daquele olhar era bonito ou feio, só me lembro mesmo é da cor daqueles olhos tão diferentes. E, claro, como acontece sempre entre jovens, houve um começo de conversa. Mas só o começo porque antes mesmo de responder ao que o rapaz dissera, meu pai estava já do meu lado dizendo:
- Eu fico aqui com seu irmão. Você vá se sentar ao lado de sua mãe que é muito mais seguro.
Meu pai tão querido, com que saudades eu me lembro destas histórias de pescarias!...

(Do livro "Encontro com a menina que eu fui")

4 comentários:

Anônimo disse...

Olá, vim apreciar sua bela escrita. Beijos Anine. Já pensou em publicar?

UBIRAJARA COSTA JR disse...

Anine,
Já publiquei. Essas crônicas de minha infância fazem parte de um pequeno livro, "Encontro com a menina que eu fui", publicado pela Editora do Novo Autor e lançado na Bienal do Livro de São Paulo de 2002.
Só não foi para as livrarias, ficou para os familiares, os amigos, os amigos dos amigos...
Beijos e obrigada.

Lourdes disse...

É muito bom recordar estes episódios. Se calhar não achou graça na altura, mas agora que é mãe, consegue compreender a preocupação de seu pai.
Beijos,

UBIRAJARA COSTA JR disse...

É verdade, Lourdes...
Hoje temos essas preocupações com as filhas (e agora neta)... A história sempre se repete... rs...
Beijos