floquinhos

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A verdade diante do espelho...


A noite já ia alta, quase madrugada e ela continuava ali sentada, a manta sobre os joelhos, a xícara de chá sobre a mesinha ao lado já quase vazia, a musica suave espalhando-se pela sala em penumbra, o crepitar do fogo que ia se extinguindo na lareira, o livro abandonado sobre o colo, mãos entrelaçadas, o pensamento longe, muito longe, do outro lado do mar, tão distante no espaço como no tempo... Fazia tanto tempo1... Tanto!... Dez anos? Onze, talvez? Pelo menos uns cinco ou seis anos sem a menor notícia... E no entanto tudo estava tão presente em sua memória. Havia uma imagem, uma voz, uma presença bailando dentro dela, deixando inquieta a alma, um tanto descompassado o coração. Esperara tanto por um encontro, fizera tantos planos, tivera tantos sonhos, ansiara tanto por esse momento, tudo em vão. A vida, o acaso, o destino, tudo tinha conspirado contra a realização desse sonho, e o tempo foi passando, suas vidas foram tomando outros rumos e quando se deu conta já nem sabia mais por onde andava esse sonho... E era tão lindo...
E agora que já se sentia em paz, agora que suas noites eram de serenidade, agora que tinha entendido que seu caminhar deveria ser feito em passos solitários, agora que guardava em si, como um pequeno tesouro, apenas uma doce e amiga saudade, justamente agora, aquele e-mail... A princípio ela achou que se enganara, quando o coração deu um salto no momento mesmo em que seus olhos leram o nome de quem o enviara. Não podia ser! Fazia anos que aquele remetente não chegava a sua caixa postal. O que estaria fazendo ali? Devia ser engano, nomes semelhantes, qualquer coisa assim, mas não... não havia engano. As mesmas palavras iniciais, a mesma forma carinhosa de falar, os mesmos sentimentos expressos ali na tela do computador. - Tentara esquecer, sabia impossível o relacionamento, mas não conseguira. Nos últimos anos a vida transcorrera bem, tinha recursos agora, pretendia vir ao Brasil... - A cada frase o coração parecia querer saltar-lhe pela boca. Mas que emoção era aquela? Então já não o tinha esquecido? Aquiete-se alma, sossegue... Leu e releu aquele e-mail muitas vezes como para se convencer de que era verdade, mas deixou para responder depois, quando estivesse mais calma, só que o dia passou e a calma não veio. E a noite foi passando e chegando a madrugada. Ah madrugada! Amiga, sempre boa conselheira. Ergueu-se da poltrona para ir a cozinha preparar um outro chá e ao passar pelo aparador deparou-se com a própria imagem no espelho e parou, assustada. Olhou mais detidamente a imagem que mal reconhecia, examinou cada ruga, cada marca do tempo em seu rosto, seu olhar foi descendo e constatando os estragos que a passagem dos anos fizera em seu corpo, em sua pele,,, Não tinha se dado conta do quanto tinha envelhecido nos últimos anos, com todos aqueles acontecimentos na família... O processo de envelhecimento se faz no dia a dia e vamos nos acostumando com as mudanças, muitas vezes nem as percebemos e, de repente, diante de um espelho, nós nos deparamos com uma pessoa que não se parece, em nada com a imagem que fazemos de nós mesmos... É um choque! Foi um choque para ela que já começara a imaginar os termos para a resposta daquele e-mail... Resposta? Ah, não!... não haveria resposta. Ele imaginaria que o endereço dela havia mudado, não teria como encontra-la, e guardaria dela a imagem da mulher madura, bonita, inteira. Guardaria a lembrança doce, o carinho... Não permitiria a ele a decepção, o desencanto. Não o colocaria diante de uma mulher sofrida, sem encantos, marcada. Não suportaria ver refletida nos olhos dele toda aquela devastação que via agora diante do espelho. Há um tempo para tudo e o tempo para aquele encontro tinha passado...
Esqueceu-se do chá, foi ao computador, abriu a caixa de correio e deletou o e-mail que ansiosamente esperara por mais de seis anos, enquanto sentia nos lábios o sal das lágrimas que banhavam seu rosto...

Dulce Costa/novembro de 2008

Nenhum comentário: