floquinhos

sábado, 22 de novembro de 2008

A BARCA DOS MEUS SONHOS


Acordo com o quarto ainda em penumbra e posso ouvir o barulhinho da chuva lá fora.Lembro-me que é sábado e isso me permite até uma certa preguicinha a pedir-me que continue entre os lençóis, no aconchego de minha barca-cama, parafraseando meu amigo José Castillo, lá de Guadalajara, que usa com muita propriedade esse termo para definir o local aonde um mundo de sonhos vêm povoar sua mente enquanto está ainda desperta e que o levam como numa embarcação para lugares e tempos inimagináveis, que o transportam através de ares e mares por continentes distantes, que o aproximam de almas afins.
Navegando nessa barca, lá vou eu em busca de meus sonhos, também! E como num passe de mágica, atravesso o oceano; estou a seu lado, caminhamos juntos por sobre a areia molhada de uma praia deserta ao entardecer, mão na mão, olhos nos olhos, sorrisos a iluminar-nos os rostos, ternura a apascentar-nos os corações... O mundo está em harmonia com a vida. Não há guerras no Oriente nem medos no Ocidente; crianças não crescem abandoadas nas ruas de Sampa nem morrem de fome lá nos confins do continente africano; a alma humana é sincera e o homem cumpre seu destino com honradez e discernimento... Nesta minha barca, tudo é permitido, portanto, meu mundo precisa ser perfeito para receber você, para abrigar seu doce coração de cavalheiro.
E caminhamos em silêncio pela praia sentindo a água escorrer por entre nossos pés num ir e vir constante. Palavras são desnecessárias entre duas almas que finalmente se reencontram após séculos de ausência, de procura. Mas o telefone toca e me trás de volta à realidade da sua ausência, ao vazio da minha saudade, deixando em mim uma sensação de abandono, de “nunca mais”. Como se pudesse haver “nunca mais” para o que nem chegou a existir, para o que sempre foi apenas e tão somente a esperança de um dia “vir a ser”...
Como um autômato, vou até a janela e olho sem enxergar as gotas de chuva que escorrem pela vidraça. A cidade é toda cinza e parece tão triste, mas sei bem que sou eu quem está transferindo essa tristeza à cidade, tristeza que cobre meu coração nesta manhã de saudade.

Dulce Costa / dezembro de 2001

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