Para Dona Paquita, com saudades...
Conversando com um amigo sobre a Espanha e os espanhóis, seu jeito de ser e de viver, seus costumes, sobre a atual posição do pais no mundo, acabei enveredando pelos caminhos de minha memória pessoal e trazendo até mim a doce e forte figura de Dona Paquita – Francisca Amélia Manchon de Carvalho. Uma mulher linda, numa linda mulher!
Eu a conheci já em sua maturidade, quando se mudou para o apartamento vizinho ao meu, na Mooca. Lembro do dia em que atendi a porta e dei com uma mulher de estatura mediana, cabelos grisalhos, encaracolados, rosto expressivo, sorriso amigo, lindos olhos verdes, que olhavam de frente, sem medo de refletir uma alma gentil, sofrida, sonhadora, cheia de esperança., que ao me ver foi logo dizendo: “Bom dia! Eu sou Dona Paquita, sua nova vizinha e estou muito feliz com isso...” Adorava fazer amigos e sua casa estava sempre cheia deles. E foi fazendo de cada novo vizinho um novo amigo.
Vivia com a única filha, Silvia, pessoa gentil, mas reservada, ao contrario da mãe tão expansiva, alegre, que gostava de cantar, de escrever poesias, de trocar correspondência, de receber para o chá da tarde, de contar suas histórias. E sua história era bem triste. Cedo perdera o marido e tivera que lutar muito para criar as duas filhas, trabalhando sempre, sem esmorecer nem perder a fé na vida e nos homens, mesmo quando uma de suas filhas também se foi. Contava que quase enlouquecera de dor, mas tinha ainda sua Silvia para cuidar e não podia se deixar vencer. Assim, foi em frente. E sua Silvia cresceu, fez-se mulher, dedicou-se ao trabalho, e mãe e filha foram assim vivendo, uma cuidando da outra. Mas parecia que o sofrimento daquela mulher não tinha bastado. Talvez um pior golpe lhe fora reservado e a vida golpeia sem pedir desculpas nem dar explicações. Achei que Dona Paquita não resistiria, que enlouqueceria. Sua Silvia, sua filha muito amada, a companhia de sua velhice, seu esteio, também se foi, assim, quase de um dia para o outro. Uma dor, a ida ao hospital, a constatação de um aneurisma, a infinita dor de uma mãe que perde a filha... E minha amiga vivia essa tragédia por segunda vez,. Quantas e quantas noites ouvimos seu choro desesperado através das paredes dos apartamentos, quantas noites ainda veio se abrigar em nosso carinho, em nossa amizade, alta madrugada, para não se sentir perdida no desespero. E mesmo assim, não perdeu a fé em Deus e nos homens. Ainda uma vez levantou a cabeça, enxugou as lágrimas e retomou seu caminho. Mudou-se para o interior, para uma casinha que a filha tinha comprado para elas e lá viveu fazendo amigos, ensinando a viver, por mais sete anos. Mas seu mundo estava mesmo lá na Mooca. Entre o Brás, aonde crescera, e a Mooca, aonde vivera a maior parte de sua vida. Não conseguia suportar a saudade dos amigos de lá, dos parentes que por lá ficaram, do seu mundo. Vendeu a casa, voltou para seu lugar. Alugou um outro apartamento no mesmo condomínio e voltou a nos dar alegria, a viver seu dia a dia entre seus velhos amigos.
Deixei o bairro, mas não perdemos contato. Várias vezes ela nos deu a alegria de sua presença em nossas tardes. Meu marido e eu a adorávamos e parecia que a recíproca era verdadeira, o que nos fazia muito felizes. Ela tinha um olhar meio maroto, as vezes, sempre brincalhona, ia chegando em casa e perguntado “Cadê o meu James Bond?”. E meu marido abria os braços e um sorriso para recebe-la. Meu marido se foi, passei a viajar para estar com minha filha muitas vezes e nos víamos já mais raramente. Na volta de uma dessas viagens fiquei sabendo que ela também se fora. E nesse dia o mundo perdera um pouco do seu brilho, de sua cor, de sua musicalidade. O brilho dos lindos olhos verdes de Dona Paquita, a cor que sua presença emprestava a ele e a musicalidade de seu sorriso, de sua voz bonita, afinada, cantando canções que o tempo levou...
Dulce Costa / novembro de 2008
Conversando com um amigo sobre a Espanha e os espanhóis, seu jeito de ser e de viver, seus costumes, sobre a atual posição do pais no mundo, acabei enveredando pelos caminhos de minha memória pessoal e trazendo até mim a doce e forte figura de Dona Paquita – Francisca Amélia Manchon de Carvalho. Uma mulher linda, numa linda mulher!
Eu a conheci já em sua maturidade, quando se mudou para o apartamento vizinho ao meu, na Mooca. Lembro do dia em que atendi a porta e dei com uma mulher de estatura mediana, cabelos grisalhos, encaracolados, rosto expressivo, sorriso amigo, lindos olhos verdes, que olhavam de frente, sem medo de refletir uma alma gentil, sofrida, sonhadora, cheia de esperança., que ao me ver foi logo dizendo: “Bom dia! Eu sou Dona Paquita, sua nova vizinha e estou muito feliz com isso...” Adorava fazer amigos e sua casa estava sempre cheia deles. E foi fazendo de cada novo vizinho um novo amigo.
Vivia com a única filha, Silvia, pessoa gentil, mas reservada, ao contrario da mãe tão expansiva, alegre, que gostava de cantar, de escrever poesias, de trocar correspondência, de receber para o chá da tarde, de contar suas histórias. E sua história era bem triste. Cedo perdera o marido e tivera que lutar muito para criar as duas filhas, trabalhando sempre, sem esmorecer nem perder a fé na vida e nos homens, mesmo quando uma de suas filhas também se foi. Contava que quase enlouquecera de dor, mas tinha ainda sua Silvia para cuidar e não podia se deixar vencer. Assim, foi em frente. E sua Silvia cresceu, fez-se mulher, dedicou-se ao trabalho, e mãe e filha foram assim vivendo, uma cuidando da outra. Mas parecia que o sofrimento daquela mulher não tinha bastado. Talvez um pior golpe lhe fora reservado e a vida golpeia sem pedir desculpas nem dar explicações. Achei que Dona Paquita não resistiria, que enlouqueceria. Sua Silvia, sua filha muito amada, a companhia de sua velhice, seu esteio, também se foi, assim, quase de um dia para o outro. Uma dor, a ida ao hospital, a constatação de um aneurisma, a infinita dor de uma mãe que perde a filha... E minha amiga vivia essa tragédia por segunda vez,. Quantas e quantas noites ouvimos seu choro desesperado através das paredes dos apartamentos, quantas noites ainda veio se abrigar em nosso carinho, em nossa amizade, alta madrugada, para não se sentir perdida no desespero. E mesmo assim, não perdeu a fé em Deus e nos homens. Ainda uma vez levantou a cabeça, enxugou as lágrimas e retomou seu caminho. Mudou-se para o interior, para uma casinha que a filha tinha comprado para elas e lá viveu fazendo amigos, ensinando a viver, por mais sete anos. Mas seu mundo estava mesmo lá na Mooca. Entre o Brás, aonde crescera, e a Mooca, aonde vivera a maior parte de sua vida. Não conseguia suportar a saudade dos amigos de lá, dos parentes que por lá ficaram, do seu mundo. Vendeu a casa, voltou para seu lugar. Alugou um outro apartamento no mesmo condomínio e voltou a nos dar alegria, a viver seu dia a dia entre seus velhos amigos.
Deixei o bairro, mas não perdemos contato. Várias vezes ela nos deu a alegria de sua presença em nossas tardes. Meu marido e eu a adorávamos e parecia que a recíproca era verdadeira, o que nos fazia muito felizes. Ela tinha um olhar meio maroto, as vezes, sempre brincalhona, ia chegando em casa e perguntado “Cadê o meu James Bond?”. E meu marido abria os braços e um sorriso para recebe-la. Meu marido se foi, passei a viajar para estar com minha filha muitas vezes e nos víamos já mais raramente. Na volta de uma dessas viagens fiquei sabendo que ela também se fora. E nesse dia o mundo perdera um pouco do seu brilho, de sua cor, de sua musicalidade. O brilho dos lindos olhos verdes de Dona Paquita, a cor que sua presença emprestava a ele e a musicalidade de seu sorriso, de sua voz bonita, afinada, cantando canções que o tempo levou...
Dulce Costa / novembro de 2008
2 comentários:
Que bela homenagem querida amiga!
Cheguei a ver o rosto sorridente e os belos olhos verdes da D. Paquita.
E de quebra avivou em mim as saudades da minha Moóca.
Beijos!
Dulce Scalla
Obrigada, minha querida xará.
Bom demais ve-la por aqui.
Beijos
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