MEMÓRIA
Minha família anda longe,
com trajos de circunstância:
uns converteram-se em flores,
outros em pedra, água, líquen;
alguns, de tanta distância,
nem têm vestígios que indiquem
uma certa orientação.
Minha família anda longe,
- na Terra, na Lua, em Marte -
uns dançando pelos ares,
outros perdidos no chão.
Tão longe, a minha família!
Tão dividida em pedaços!
Um pedaço em cada parte...
Pelas esquinas do tempo,
brincam meus irmãos antigos
uns anjos, outros palhaços...
Seus vultos de labareda
rompem-se como retratos
feitos em papel de seda.
Vejo lábios, vejo braços,
- por um momento persigo-os;
de repente, os mais exatos
perdem sua exatidão.
Se falo, nada responde.
Depois, tudo vira vento,
e nem o meu pensamento
pode compreender por onde
passaram nem onde estão.
Minha família anda longe.
Mas eu sei reconhece-la:
um cílio dentro do oceano,
um pulso sobre uma estrela,
uma ruga num caminho
caída como pulseira,
um joelho em cima da espuma,
um movimento sozinho
aparecido na poeira...
Mas tudo vai sem nenhuma
noção de destino humano,
de nenhuma recordação.
Minha família anda longe.
Reflete-se em minha vida,
mas não acontece nada;
por mais que eu esteja lembrada,
ela se faz de esquecida;
não há comunicação!
Uns são nuvens, outros, lesma...
Vejo as asas, sinto os passos
de meus anjos e palhaços
numa ambígua trajetória
de que sou o espelho e a história..
Murmuro para mim mesma:
“É tudo imaginação!”
Mas sei que tudo é memória...
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