Não sei em que momento pode ter sido criado este poema, mas o título "Versos de Natal" ligado ao tema, incentiva minha imaginação e fico aqui supondo o poeta, recém saído da cama numa manhã de Natal, ainda não totalmente desperto, diante de um espelho, desses de corpo inteiro que se usava ter antigamente nos quartos, surpreendido com a imagem que lhe era devolvida, cabelos (talvez já poucos) em desalinho, rosto marcado pelo tempo e pelo sono, vestido num daqueles antigos pijamas, completamente amassado, pés descalços sobre o tapete... Olha-se e, como costuma acontecer depois de uma determinada idade, percebe que a imagem que lhe é devolvida não corresponde aquela que tem de si mesmo, mas ainda sob a magia do Natal olha mais profundamente para essa imagem e consegue ver através de si mesmo a juventude que o tempo levou apenas de seu corpo físico, mas que se mantém inteira em sua alma. Reve-se menino, em outras manhãs de Natal e inicia então um dialogo consigo mesmo através do espelho... Um desses diálogos que só os poetas podem ter consigo mesmos. E ficam então os versos abaixo para a posteridade, para despertar em nós, pobres mortais, considerações sobre o tempo que leva nossas vidas, mas não consegue roubar nossos sonhos...
Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!
Mas se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera de Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.
( Manuel Bandeira)
2 comentários:
Lindo demais, Dulce, perfeito! O chinelinho atrás da porta trouxe a inspiração ao grande poeta e a sua poesia um presente de Natal para todos nós que ainda vivemos esse menino interior. Bom Natal !
Obrigada, Ney.
Um lindo Natal pra você também.
E que bom podermos ainda sentir viva a criança que um dia fomos, que talvez nunca tenhamos deixado de ser.
Conseguimos mante-la comportadinha, em nosso intimo, mas as vezes ela se solta para nos fazer um pouco mais felizes.
Bjs.
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