floquinhos

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

LADAINHA DO TEMPO - CARTA A UM AMIGO



Meu caro amigo, boa noite.


Sexta-feira novamente!
Parece que o tempo acelera seu caminhar! Não sei se nos ocupamos demais e tornamos nossos dias pequenos para tantos afazeres, mas nem creio que seja isso, pois tenho estado bem tranqüila ultimamente, sem compromissos nem tarefas urgentes e, mesmo assim, quando me dou conta, a semana já passou. E com isso, tem-se a impressão de que a vida se nos escorre por entre os dedos.

Eu achava muito engraçado quando, ainda jovem, ouvia as pessoas mais velhas dizerem que a vida tinha passado num átimo e que de repente tinham se apercebido que estavam ficando velhas. E eu me indagava como seria isso possível... E eis-me aqui a repetir as mesmas coisas que meus "antigos" diziam... rs... A vida, como a história, sempre se repete. Nós é que pensamos que somos únicos, não é mesmo?

Lembro-me de sempre rir quando meu tio João, ao ouvir uma das valsas de sua juventude, suspirava profundamente e, com um tom de saudade na voz, dizia: "Ah, meus vinte anos"... E eu nem teria uns vinte anos, por essa época, em véspera de casamento, a vida me sorria e eu não conseguia entender o porque daqueles suspiros de saudade. Aos vinte anos pensamos que tudo sabemos, e só depois percebemos o quanto somos tolos e o quão pouco conhecemos da vida por essa idade.
Mas, olhando para trás, vemos que a vida caminhou em seu passo certo, vemos que construímos nosso mundo, criamos nossos filhos, desfrutamos de momentos lindos ou dolorosos, tudo em seu tempo. Então porque essa impressão de que pouco vivemos? Ah! isso também não deve se constituir em segredo! Seguramente a vida é um bem tão precioso que sempre queremos mais e mais dela participar.
Aí, meu amigo vai me perguntar: "Mas, a que vem essa ladainha toda a respeito da passagem do tempo?" Como resposta eu lhe farei outra pergunta: "Você já acordou achando que estava com 100 anos?" Pois hoje acordei assim, acredita?
Meus humores com relação ao tempo são bem variados... dias há em que me sinto quase uma adolescente, com o coração cheio de sonhos e de esperanças, em outros eu me sinto uma mulher madura, segura de mim mesma, olhando com serenidade para o transcorrer da vida. Mas há alguns, bem raros, é verdade, em que me sinto uma anciã. É quando sinto um vazio em mim, um não sei que, que me incomoda, um temor pelo porvir, enfim, pesam-me os anos vividos, angustiam-me os anos por vir.

Será que todos experimentam essa "angústia" de vez em quando, ou serei só eu, a precisar de atenção psicológica? Ainda bem que passa logo. Num instante, ocupo-me com meus escritos, ouço meus CDs, mergulho nos meus livros e pronto! Crise controlada, de volta á rotina. Ainda há pouco, quando tinha cem anos, senti que precisava falar com alguém, extravasar da alma o que me angustiava. Por isso estou aqui. E, á medida que ia escrevendo, minha alma ia regressando ao tempo presente, e eu voltava à minha realidade. Agora, de novo, tenho menos de setenta anos! É muito? Não! acredite, é bem menos que cem! risos...
Obrigada por me "ouvir", meu querido amigo, e perdoe as sandices desta sua velha amiga.
Beijos e um maravilhoso final de semana para você.


Dulce
São Paulo, 21 de outubro de 2005

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