Pensam que é Veneza?
Na tela da TV, a história de "Seu" Severino, um bravo brasileiro que veio lá das terras do Nordeste, fugindo da miséria, da fome. Uma história contada em cada ruga de seu desgastado rosto, uma história feita de trabalho, luta, sofrimento e, muitas vezes, humilhação, vivida numa cidade grande, numa São Paulo que, ao mesmo tempo em que acolhe, cobra de seus moradores tantos sacrifícios. Uma São Paulo com muitas caras e com muitas culturas. Uma São Paulo com ilhas de primeiro mundo entre bolsões de miséria. Uma São Paulo cultural que ainda abriga tantos analfabetos. Uma São Paulo centro mundial de gastronomia que conserva tantos esfomeados espalhados por suas vilas e ruas... Uma cidade feita de contrastes. Uma cidade para quem é forte, para quem não tem medo de enfrentar a vida, uma cidade que recompensa esforços, mas também uma cidade onde os mais fracos naufragam num mar de impossibilidades...
Mas "Seu" Severino chegou, forte, esperançoso, lutador e, depois de alguns anos, conseguiu comprar sua casinha, pequena, simples, lá na periferia da cidade. Simples por fora, acanhada por dentro, móveis baratos, uma geladeira, um aparelho de TV mais antigos, enfim, uma simplicidade que para ele era muito, pois formava seu recanto de paz quando, cansado pela dura jornada de trabalho e as horas perdidas na condução, chegava para sua noite de descanso. Era sua recompensa por tantos anos de luta.
Hoje o rosto de Seu Severino era mostrado coberto de desencanto e tristeza, olhando para o que fôra seu pequeno mundo, completamente tomado pelas barrentas águas que invadiram sua pequena casa, destruindo todo o que nela se encontrava. Móveis, roupas, alimentos, os poucos eletrodomésticos, tudo, tudo encharcado, coberto de lama, imprestável... Todo o trabalho de uma vida pronto para ser jogado fora. Culpam a natureza: implacável! Fácil jogar a culpa na Natureza. Isso exime de responsabilidade tanta gente! É muita chuva, sim... Chuva demais!... Mas se houvesse uma administração mais cuidadosa, mais atenta às necessidades desta incrível cidade e de seus moradores, se córregos, rios e riachos fossem limpos, se as bocas-de-lobo (bueiros) fossem desobstruídos, se a própria população fosse educada para não jogar lixo na rua e nos rios, não seria tudo diferente? Ou será que ainda assim a chuva causaria tantos alagamentos e, por consequência o caos que se instala por aqui? Será que não teríamos menos Severinos chorando, sem força para um recomeço? Será que seus moradores não chegariam mais cedo em suas casas ao invés de ficarem três, quatro horas presos num trânsito caótico e sem uma previsível solução de melhora? Será?...
Pobre da pobre gente humilde de minha cidade...
10 comentários:
"se a própria população fosse educada para não jogar lixo na rua e nos rios, não seria tudo diferente"?
Dulce, sempre paga o justo pelo pecador, não é? As Prefeituras não fazem o seu trabalho como deveria ser mas não há drenagem de córregos que chegue para tamanha falta de educação e até civismo para o que se vê quando as ruas enchem. Se fosse a água da chuva que corresse pelas ruas... mas é garrafa pet em profusão, lixo orgânico, material de limpeza, SOFÁ velho!
Não tem como mudar essa situação até que a população se concientize de que "o lixo que você joga nas rua volta pra você".
beijos Dulce e que a chuva dê uma trégua aos tão castigados Estados Rio e São Paulo.
Pitanga Doce
é exatamente isso, Mila. Falta educação, civilidade, cuidado e amor, muito amor à terra em que nascemos, à terra que habitamos ou que escolhemos como nossa...
Beijos
Dulce
Li a sua crónica e cheguei à conclusão que este é um problema mundial. Afinal há tantos "Severinos" também aqui e noutros países. Sempre que acontecem problemas deste género lastimamo-nos, arranjamos desculpa para os acontecimentos e apontamos o dedo. No entanto, não alteramos em nada o nosso comportamento, tanto nas nossas atitudes como na forma como elegemos aqueles que deveriam estar mais atentos. Depois,mais tarde, tudo isto se vai repetir e, de novo, vão aparecer mais "Severinos"...
É uma tristeza.
Beijinhos
Os contrastes tantas vezes cruéis e absurdamente reais dos grandes centros urbanos.
Tem toda a razão, Dulce. Muitas tragédias humanas poderiam ser evitadas, não fosse a incúria dos homens. Seja o cidadão anónimo, seja a autoridade que dcide, todos poderíamos contribuir para evitar tantas catástrofes. Como disse na altura, apropósito do Haiti, aliviamos a consciência dando uns trocos que possam amenizar a dor de quem sofre e seguimos em frente. Nunca pensamos no dia seguinte e na necessidade de prevenir que estas coisas aconteçam.
Patti
E a imcompreensível quase indiferença dos governantes no sentido de realmente resolver os problemas. Na hora do desespero eles aparecem, fazem uma cena, mas no final... Triste demais.
Beijos e boa noite
Carlos
Claro que no final, temos todos uma parcela de culpa em tudo isso, por descuido, por descaso ou mesmo por omissão. O fato é que a vida vai ficando a cada dia mais difícil de ser vivida nos grandes centros
É bem verdade, também, que o homem tenta apaziguar sua consciência com migalhas do que lhe sobra.
Muito lúcido o conteudo de seu texto sobre o Haiti.
Beijos e boa noite
Lourdes
Sem dúvida, minha amiga, quase mundial, mas o descaso e a indiferença causam tantos estragos...
As vezes fico me perguntando se um dia esse sofrimento todo vai ser minorado.
As coisas tem andado muito dificeis por aqui neste triste janeiro.
Beijos e boa noite
Isso tudo me faz lembrar daquelas músicas nordestinas:
" SÓ DEIXO MEU CARIRI... NO ÚLTIMO PAU DE ARARA"
ou então, aquela...
SENHOR... EU PEDI PRA CHOVER, MAS CHOVER DE MANSINHO... PRA VER SE NASCIA UMA PLANTA NO CHÃO...
SENHOR, SE EU NÃO REZEI DIREITO SENHOR ME PERDOE... EU ACHO QUE A CULPA FOI... DESSE POBRE QUE NÃO SABE FAZER ORAÇÃO...
Um abraço.
Amapola
A vida já é, por si, dificil para eles, ainda vem a Mãe Natureza monstrando toda a sua força... São tantas as histórias triste que se acompanhado desde que esta temporada de chuvas chegou, tanta tristeza...
Um abraço e bom dia
Postar um comentário