(Alguns dos alunos do curso de alfabetização de adultos
Ontem a noite foi diferente, especial.
Bia, minha neta, trabalha num projeto de alfabetização de adultos no colégio onde estudou e ontem era noite de encerramento do ano letivo, noite essa comemorada com muita festa. E como este ano o foco dos estudos foi a vida e a cultura de São Paulo na metade do século passado, fui convidada para falar sobre meu livro e contar algumas coisas desta cidade nos tempos de "antigamente". Já havia feito uma palestra sobre o livro em uma escola de português para crianças em Everet, no estado de Massachusetts, onde meus netos estudam e se atualizam em nosso idioma, mas falar para crianças é diferente de falar para adultos, ainda mais adultos que descobrem agora o prazer do conhecimento. Pelo menos era isso que eu pensava!... Mas ...
No enorme salão, em cadeiras dispostas em círculo, foram se sentando homens e mulheres de rostos marcados pelo tempo e pelas intempéries da vida. Todos vindos de outras regiões do país, todos com histórias muito mais marcantes para contar do que as que eles se propunham a ouvir naquele momento. Aparentemente intimidados, contidos, mas olhos brilhantes porque aquele momento era deles.
A coordenadora fez as apresentações, falou-lhes sobre o porque de minha presença e eu fiquei ali, meio sem saber como começar a contar-lhes coisas que eles já sabiam, pois tinham vivido situações parecidas, apenas em outro contexto, em outra época. Mas à medida em que ia falando, olhando aqueles rostos que iam se abrindo em sorrisos, tudo foi ficando mais fácil e ao final, estávamos trocando idéias e eles pareciam felizes com o momento.
Depois da "palestra", eles cantaram juntos uma canção muito linda que falava sobre a Vila Madalena (onde se situa o colégio), que é um dos bairros mais charmosos da cidade - e onde tenho o prazer de morar, após o que houve a apresentação de um DVD e eles puderam assistir a festa de encerramento do semestre anterior - e aqui abro um parênteses para dizer que o tema daquela vez fora poesia e foi lindo ve-los declamar quadras e pequenos poemas feitos por eles mesmos, expondo sentimentos e sonhos, de maneira simples, como simples é a alma desse gente sofrida que aqui chega sem nem ter a menor noção do que vai encontrar pela frente, aqui vive uma vida de luta e muito trabalho até que, pouco a pouco, vão construindo seu lar, um lar sólido que os abrigará finalmente. E ver essas pessoas que trabalham o dia todo, geralmente em tarefas pesados, ao chegar a noite, ao invés de se acomodarem num sofá diante da TV, engolirem seu jantar às pressas, pegarem seus livros e irem para uma escola em busca do saber, é lição de vida, de coragem, de luta... São pessoas que, realmente, estão em busca do tempo perdido (com a licença de Proust).
Quando sai, levando nos braços um lindo arranjo de flores que me foi ofertado, eles ficaram comemorando e festejando mais uma etapa vencida, diante de uma mesa de deliciosos petiscos que as professoras preparam carinhosamente para eles.
Um lindo trabalho voluntário de professoras e alunos do Colégio Oswald de Andrade, daqui da Vila. Parabéns a todos. Aos professores e coordenadores pelo trabalho, pela dedicação, pelo despreendimento, pela tentativa de realização do sonho de ver um pais melhor, com cidadãos mais instruidos, mais conscientes. Parabéns aos alunos que se alfabetizam na vontade de realizarem seus sonhos, de se tornaram mais integrados no mundo atual e, principalmente pela força de vontade de sairem em busca do conhecimento que lhes abrirá novos caminhos, modestos ainda, mas com oportunidades bem maiores.
Foi uma noite para não mais esquecer...
21 comentários:
Que lindo texto!
Depois de tudo o que escrevi, é maravilhoso ler isso e saber que, mesmo em idade mais madura, ainda é possível que as pessoas aprendam aquele básico que tive a oportunidade de aprender nos últimos anos e, com isso, que sigam melhorando suas vidas e individualidades.
Beijos, Mariana.
Um privilégio esse seu encontro, querida Dulce. De certeza que todos sairam daí muito mais ricos.
Um projecto muito louvável.
Olá Dulce!
Fácil será imaginar a sua satisfacção por partilhar da de todos esses outros que estavam à sua volta, celebrando a sua vitória pessoal sobre a sua anterior condição de "analfabetos". Sair dessa forma de escuridão deve ser fonte de um prazer imenso, sobretudo para aqueles que nela viveram uma grande parte das suas vidas, e dela conseguiram libertar-se com enorme esforço e sacrifício, como diz.E, assistir ao triunfo daqueles que o merecem e por ele lutaram, faz-nos sempre sentir bem ... como se fôssemos um deles.
Beijinhos.
Vitor Chuva
Mari
Como foi maravilhoso participar daquele momento significativo na vida daquelas pessoas que não se deixam abater pelas adversidades e vão em frente, a procura de novos e melhores caminhos.
Beijos
Patti
Realmente um privilégio poder conviver com pessoas de almas simples, mas valorosas, pessoas lutadoras que não se entregam ao comodismo e que buscam um pouco, pelo menos um pouco, de saber, de conhecimento, que guardam em si a ânsia de aprender.
E quem saiu realmente enriquecida desse encontro fui eu.
beijos e obrigada.
Vitor
Uma satisfação imensa, meu amigo. Pessoas simples, humildes, vidas sofridas numa constante luta até pela sobrevivência, até chegar ao ponto de terem um tempo um pouco mais livre para poderem sair em busca do amanhã melhor, que só se pode encontrar através do conhecimento. Tudo muito relativo, já que o que seria insuficiente para uns, é o bastante para outros. Mas é preciso coragem para a luta, e eles a tiveram.
Sem dúvida eu me senti um deles, mesmo porque eles me remeteram aos tempos em que meus avós paternos vieram lá da Madeira, com uma penca de filhos para criar e um trabalho árduo, pesado, nas lavouras de café aqui do Brasil... Com a única diferença de que eles eram muito bem alfabetizados.
beijos e um bom dia
Muy lindo tu blog, te felicito. Tienes muchos amigos
Bibliotecária
Obrigada. É verdade, tenho o privilégio e a alegria de ter muitos e bons amigos.
É um prazer recebe-la aqui. Seja muito bem vinda.
Um abraço
Se o mundo tivesse muitas noites assim...se o mundo tivesse muitas pessoas como tu e todos os outros que entraram neste projecto...se o mundo tivesse gente como essa (alunos) cansados fisicamente mas com vontade de aprender para seguirem em frente...então, não me venham falar em utopia!! Tudo é possível quando a VONTADE é grande. Aqueles que dizem " o mundo é como é"...já desistiram há muito da sua própria mudança!!
Parabens Dulce. Mereces todos os ramos de flores do mundo, da minha parte, toda a minha gratidão.
Beijo carinhoso
Graça
Graça
Mas eu nada fiz, minha amiga, além de desfrutar da companhia dessas pessoas maravilhosas que são as coordenadoras do programa, as professoras, que realmente merecem todos os aplausos do mundo, e os alunos que venceram todos os obstáculos que poderiam encontrar pela frente e foram em busca do conhecimento. Eles merecem os aplausos, eles merecem as flores. Eles merecem nossa gratidão, nossa admiração. Eles simbolizam a esperança num futuro melhor.
Beijos e obrigada
Adolfo
Muito obrigada. E é um prazer recebe-lo, ver que já está bem.
Beijos
Querida Dulce,
Como é gratificante esse trabalho.
Imagino a sua alegria ao ver a de todos eles estampada em seus rostos.
O seu texto dá-nos claramente a imagem da sua experiência vivida ontem, o seu encantamento e a sua alegria, por ver como gente pobre e pouco instruída luta pela sobrevivência e como é duro.
Parabéns amiga,
Beijinhos doces.
Ná
P.S. Tem uma história linda no Rau ou no Sempre Jovens.
Ná
Foi, sim, amiga, muito gratificante, muito bom. Obrigada.
Hoje mais cedo passei la pela Casado Rau e me encantei com a história da Irina e de seu pai, médico-pintor de paredes. Tantas são as histórias semelhantes, não amiga?
Deixei lá um pequeno comentário.
beijos e boa noite
Dulce, o trabalho voluntário eu não sei a quem faz melhor. Se a quem pratica ou a quem damos o nosso amor e tempo.
Olha, não consigo ouvir a tua música nem a minha. Será problema do blogger ou do Mixpod? Podes ouvi-la?
Dulce.
Lendo seu texto, recordei dos meus tempos de trabalho na educação de Jovens e Adultos.Alfabetizar um adulto é algo maravilhoso.O olhar deles tem outro brilho, tem vontade de viver mais e mais a emoção da aprendizagem.
Já participei de muitas festas de encerramento como as que você relatou e cada uma delas ficou em minha memória como um momento de conquista.
Já trabalhei com alfabetização de adultos no sertão da Bahia e jamais esqueci aqueles alunos marcados pela vida difícil que levavam em seu dia a dia, e que a noite, pegavam seus lápis e cadernos e iam para a escola aprender a ler e escrever com esperanças de melhores dias.Sinto saudades desse tempo e lendo seu texto, minha memória avivou tão doces momentos que já vivi como professora.
Beijos,
heli
Pitanga
Boa noite, Mila
Ouço sim, tanto a minha quanto a sua música. Estou agora conectada no seu blog.Na verdade, sua musica toca e para, toca e para...
beijos
Heli
É mesmo um trabalho lindo esse,amiga e pude ver nos olhos dos alunos ontem esse brilho. Foi bom demais, e o melhor é ver minha neta, aos 18 anos, já dedicada a esse trabalho tão bonito. Fiquei muito feliz e orgulhosa, você pode bem imaginar.
Beijos
Dulce
Ao longo da minha vida nunca trabalhei na alfabetização de adultos, pois as aulas sendo nocturnas não me davam possibilidade de conciliar os horários com as necessidades familiares. Foi uma lacuna que ficou no meu percurso profissional e que gostaria de ter experimentado.
Beijinhos
DULCE
Deixo com carinho.
é do melhor do meu livro MAGIA DE NATAL...
O DIA LONGO
O novo dia nunca mais chega...
Acordei cheia de impaciência...
Ouvi dizer...
Amanhã é Natal...
É um dia de Amor...
Acordei...
Para ver o que se passaria...
E olhei o céu...
Era igual ao céu de ontém...
E olhei o sol...
Como ontem...
O sol estava escondido...
E fui procurando...
Para mim...
Nada de novo...
Não via o Natal...
A minha casa...
Continuava igual...
As janelas...
Tinham os mesmos vidros...
Velhos e partidos...
A porta...
No fundo...
Com os mesmos buracos...
Onde os ratos
Entravam...
Sem pedirem licença...
Voltei a olhar...
E o Natal...
Afinal onde estava?
Procurei debaixo
Da grande pedra...
Na berma da estrada...
E não encontrei nada...
Depois fui a casa...
E trouxe um pão...
Pão simples, mas bom...
Quando...
Dei uma dentadinha
Com os meus dentinhos...
Pequeninos...
Vi um menino...
Pequenino como eu...
Com os olhos abertos...
A olhar o meu pão...
Nesse momento...
Senti que gostaria...
Que fosse meu irmão...
Peguei no meu pão
Dei-lhe metade...
Demos as mãos...
Caminhamos pela estrada
E
Uns anos mais tarde...
Entendi...
Que nesse dia...
Tinha sido NATAL...
LILI LARANJO
Lourde
Realmente o trabalho é maravilhoso e vi a alegria de faze-lo e obter resultados no olhar das coordenadoras e professoras naquela noite.
Beijos e bom dia
Lili Laranjo
O que vem dizer que o Natal está dentro de nós, de nossos corações, de nossa alma. Se não o encontramos é porque talvez não saibamos procurá-lo.
Obrigada pelo lindo poema de Natal.
Beijos e um bom dia.
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