Acordou com o barulho do vento que dançava entre os galhos ressequidos do bosque e, imaginando o frio que deveria estar fazendo lá fora, enrodilhou-se entre os lençóis, numa tentativa inútil de voltar a dormir. Era madrugada e ela sempre tivera um quezinho pelas madrugadas quando, a casa em silêncio e a cidade semiadormecida, davam-lhe a falsa sensação de que a paz reinava sobre o mundo, sobre os homens.
Sem conseguir voltar a dormir, saiu da cama e, apanhando o robe que repousava sobre a poltrona, envolvendo-se em seu aconchego, dirigiu-se até a janela. Ao abrir as cortinas deu com a beleza da neve caindo sobre o gramado, iluminada apenas pela fraca luz que vinha do poste de iluminação colocado quase em frente a casa.
E sem saber bem porque, viu-se em outra madrugada insone, diante de uma outra janela, depois de acordada pelo zunir do vento que corria por entre as casas daquela rua antiga, prenunciando uma tempestade de verão. Reviu-se jovem e cheia de sonhos, sem a menor consciência do que a esperava pelas esquinas do tempo, dos longos caminhos que ainda haveria de percorrer até chegar aquele momento.
Naquela outra madrugada, lágrimas escorriam-lhe pelo rosto, lavando-lhe a alma daquela tristeza que lhe parecia sem fim e que, a luz do tempo, demonstrou ser nada mais, nada menos, do que uma tempestade num copo d’água... Ah, as doces paixões da adolescência!... Ah, a primeira paixão, quase sempre não correspondida, quase sempre inesquecível... A imagem dele ainda bailava em sua mente, congelada pelo tempo, numa linda figura de príncipe encantado... Seus olhos castanhos, seu sorriso límpido de quem anda de bem com a vida, sua voz, seus cabelos, seu porte... Vindos através dos anos, rodopiavam em torno dela, revestindo-a de saudade... Saudade dele, dela, da juventude que um dia habitara aquele corpo alquebrado e que ficara lá longe, dos sonhos que a acalentaram, de tudo o que o tempo reteve em seus caminhares...
Sentindo o frio da madrugada, deixou a janela, sentou-se na poltrona, encolhida, cobrindo as pernas com uma manta e, antes de abrir o livro que a esperava sobre a mesinha lateral, ainda ficou uns minutos cogitando sobre o quão bom era sentir tão doce saudade... Tão bom ter tais momentos guardados dentro de si, mostrando que a vida foi vivida com intensidade, com paixões, com sonhos, com esperanças, com amor... Lembranças que mostravam claramente que valera a pena cada passo percorrido nesse longo caminhar... Que razão tinha nosso Fernando Pessoa ao afirmar que “tudo vale a pena se...”
12 comentários:
Recordar faz bem… mas se não há nada no presente que nos acalente... esses momentos podem fazer-nos mal. Recordar impede-nos de viver o presente. Eu recordo muitas vezes! : )
Catarina
É bem verdade... Ninguém está feliz no presente se o que foi bom só faz parte do passado. Sempre há de restar boas lembranças que nos deixem bem ao recorda-las.
Bem que eu queria falar, mas não dá. Mas você já sabe o que eu ia dizer. Ah, essas madrugadas que hão de nos perseguir!
Beijos Dulce.
Pitanga Doce
Pois é, minha amiga, sabemos bem que nem sempre elas são amenas, elas são fáceis, não é?
Beijos e um bom dia para você.
Dulce.
Doces lembranças!!
Quem de nós não se vê passeando pelo tempo, onde reinam muitas saudades, muitos sonhos.
Tudo vale a pena sim minha querida amiga, importa viver cada segundo de nossas vidas com intensidade...
beijos
Heli
Coincidência, menina! Acabava de enviar um e-mail pra você quando seu comentário entrou... que bom!
Verdade, todos temos doces momentos na lembrança, e ainda bem, né? Servem de amparo para nossa alma quando ela fica meio tristinha...
Beijos e obrigada
DULCE, ¨recordar é viver¨. Quantas
vezes lembramos o passado,tão inten
samente, que nos parece viver tudo
aquilo outra vez. Chegamos a sentir
as mesmas emoções, que nos fizeram
tão feliz. Li,certa vez, o seguinte
¨quem passou pela vida e não amou,
não viveu, vegetou¨
Beijos
Dulce
É bom recordar momentos passados, principalmente aqueles que nos deixaram saudade.Quantas de nós encontram nas suas lembranças força para enfrentar a vida.
E, mais uma vez, o poeta tem toda a razão...
Beijinhos
Lourdes
Maravilhoso este texto que tráz resquícios ás minhas lembranças. Há sempre um primeiro amor nas nossas vidas...não correspondido mas nunca esquecido!Está tão longe já...mas ficou o seu perfume! Sempre que abro a gaveta das saudades, sinto aquele odor a alfazema...
Será que as saudades cheiram sempre assim??
Beijo
Graça
Paloma,
Concordo plenamente com você. Não consigo conceber uma vida vazia de amor, em qualquer um de seus aspectos...
Beijos, obrigada e uma boa noite para você
Lourdes
Pois é, minha amiga, são nossas lembranças que nos ajudam a seguir sempre em frente, num momento de apatia, de tristeza, de solidão... Lembrar é reviver o momento.
Beijos, obrigada e boa noite
Graça Pereira
Curioso como os cheiros permanecem na alma... Como uma música, como o brilho de um olhar, ou um gesto que, décadas depois, feito por qlguém que passa, simplesmente, traz-nos um outro alguem que estava perdido no tempo ao nosso presente... e ai, haja coração para tão doce saudade...
Beijos, obrigada e uma boa noite para você.
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